Cenário extremamente machista, os estúdios de tatuagem infelizmente ainda deixam muito a desejar quanto ao respeito às mulheres que se unem neste contexto adverso.
Por Larissa Troian
Repórter DomTotal
As mulheres estão cada vez mais ocupando espaços que, há alguns anos, eram dominados pelos homens. Esse crescimento está claro em projetos como o Festival Mulheres do Mundo, que incentiva, documenta e difunde reflexões acerca de mulheres das artes e culturas, bem como mulheres empreendedoras e ativistas. No mundo da tatuagem a ideia é a mesma: somar e crescer.
Hoje em dia temos mulheres tatuadoras extremamente talentosas chegando junto com trabalhos incríveis, e um dos motivos é nobre: o primeiro censo sobre tatuagem feito pela revista Super Interessante, em 2016, mostra que a maioria das pessoas tatuadas no Brasil é formada por mulheres. Nada menos que 59,9% na época.
Cenário extremamente machista, os estúdios de tatuagem infelizmente ainda deixam muito a desejar. A tatuadora belo-horizontina Sandra Cunha, de 24 anos, criadora do Studio Fogo – composto apenas por mulheres – , aqui de Belo Horizonte, ressalta a batalha acometida pelas mulheres de se inserirem como pessoas potencialmente talentosas nos estúdios. “A maioria das meninas que eu conheço começou a tatuar sozinhas por não serem bem recebidas em estúdios de tatuagem ou por terem que aturar tatuadores assediando ou fazendo piadas machistas. Além disso, há descrença no potencial e capacidade de sermos boas; normalmente nosso sucesso ou crescimento é atribuído ao fato de ‘ser bonita’, ‘ser mulher’, ‘ter namorado alguém’ ou ter ‘seduzido o chefe’”.
Mas a luta não para, muito pelo contrário, só cresce. Hoje as opções são infinitas e vão desde estúdios só de mulheres, como o Sampa Tattoo, em São Paulo, o Blush, em Santos, o Lady Luck (pioneiro!), no Rio, o Artemis Ink, em Curitiba, o Cadê Amélia, em Porto Alegre, o Godarc e o Studio Fogo, em Belo Horizonte, até atendimentos dedicados em casa mesmo. Para desenhos de todos os tipos e gostos, temos uma longa lista de mulheres que provam que podemos e estamos em todos os espaços e profissões – e mandando muito bem, diga-se de passagem.
Assédio sexual
Além da descrença no potencial das tatuadoras, as mulheres que querem ter seu corpo marcado pelos desenhos passam por outra situação extremamente desconfortável, invasiva e traumatizante: o assédio sexual.
Em abril deste ano, a professora e ativista Duda Salabert criou um perfil no Instagram para receber e expor denúncias de assédio sexual. O perfil @foieledenuncia continua ativo, e tem como objetivo o de orientar mulheres sobre maneiras e locais para a realização de denúncias formais, além de criar pontes entre as vítimas e projetos de apoio a mulheres que sofreram violência e assédio. Nas primeiras horas, o projeto ganhou mais de 1.700 seguidores.
A ideia do perfil surgiu depois da denúncia feita por Duda em seu perfil do Instagram sobre o assédio que uma cliente teria sofrido de um tatuador da região Centro-Sul de Belo Horizonte. Depois disso, várias pessoas procuraram a Polícia Civil para denunciá-lo. Leandro Caldeira, de 44 anos, foi indiciado por violação sexual mediante fraude contra 19 mulheres no início do mês de abril. Dias após, o número de mulheres que denunciavam o mesmo tatuador já passava de 40. Além dele, o tatuador Pablo Gangale, mais conhecido como “Argentino”, também recebeu uma série de denúncias, muito parecidas com as de Leandro Caldeira.
Sandra conta que após a denúncia de assédio contra os tatuadores, “muitas mulheres criaram coragem para relatar suas experiências e infelizmente são muitos casos sem denúncia ainda”. Para ela, “é inadmissível que isso aconteça”. A tatuadora “tenta orientar as clientes para saberem como se assegurarem de que tal procedimento é o certo ou está fora do comum”.
Coletivo de mulheres contra o assédio
Nathália Corrêa, tatuadora na cidade de Belo Horizonte, fez um post no Instagram logo após a denuncia com orientações para que os clientes conseguissem diferenciar o que era um procedimento normal na tatuagem e o que era anti-profissional. A partir daí, de forma orgânica, um coletivo de mais de 20 mulheres se reuniu. Além da Nathália, o projeto teve a participação de artistas como Bruna Martins, Camilla Campos, Lu Alvernaz, Thereza Nardelli, Moa e Ana Pedersoli, a embaixadora do Coletivo “Não é Não”.
O coletivo trabalha há três anos a pauta do assédio em diversos espaços e tem como ferramenta de diálogo tatuagens temporárias com os dizeres “Não é Não”.
Essa união se deu para a criação da cartilha informativa, a “Minha Tattoo Minhas Regras”, sobre tatuagem segura, e para “ensinar” como denunciar um assediador.
Bruna Martins, uma das criadoras da cartilha, conta que o apoio às mulheres vítimas desse tipo de abuso foi e é de suma importância: “As primeiras ações foram as de cobrir ou re-significar as tatuagens que tinham sido fruto desses tatuadores, que se tornaram uma espécie de trauma para essas mulheres”.
Bruna conta que o projeto ganhou tanto fôlego que, no final de semana do dia 13 de julho, duas representantes e autoras da cartilha foram ao Rio de Janeiro, no Festival de Mulheres Tatuadoras, para apresentar seu projeto por lá. A tatuadora frisa que a “distribuição da cartilha é totalmente gratuita para que todos tenham acesso às informações”.
Outros motivos levaram também as tatuadoras a refletirem sobre a mulher no campo da tatuagem. Bruna ressalta que a forma como o corpo da mulher é objetificado neste tipo de ambiente – além de vários outros – é um aval para que os abusadores façam o que bem entenderem na hora de tatuar: “Nós vemos muito nessas convenções de tatuagem a forma como o corpo da mulher é exposto, como as pessoas não se preocupam em cobrir o corpo da mulher para mostrar tatuagens em regiões mais delicadas, e a gente acaba vendo que isso acontece por uma questão social do corpo da mulher ser tão objetificado, o corpo da mulher como algo publico, que esta ali à disposição dos outros. Essa, inclusive, é uma das pautas da cartilha “Minha Tattoo Minhas Regras”.
Para quem deseja prosseguir e ajudar com o projeto, Bruna pede para entrar em contato pelo email apoieminhatatu@gmail.com. Ela conta que “o gasto é muito grande, mas conseguimos com uma gráfica para pagarmos somente o material, juntamos a grana e fizemos a cartilha”, mas que toda e qualquer ajuda é de grande importância social.
Para as tatuadoras e para o público, o diferencial dessa cartilha é que ela “conversa” tanto com profissionais quanto clientes, e dá instruções claras sobre como agir no estúdio, prevenir um abuso e também como lidar, caso isso aconteça.
O caso
Após Duda Salabert criar o perfil no instagram para receber e expor denúncias de assédio sexual, dezenas de mulheres finalmente tomaram coragem em conjunto e decidiram expor seus agressores. Entre eles, o nome mais citado foi o de Leandro Caldeira, tatuador da TattoReggae, que acumulou mais de 40 denúncias.
Mulheres afirmam que o homem aproveitava de diversas situações para que as vítimas tivessem seus corpos expostos sem alguma necessidade. Em vários casos, elas relataram que o abusador se aproveitava para “passar a mão” em suas partes íntimas, alegando que fazia parte do procedimento.
Leandro Caldeira Alves Pereira, de 44 anos, foi preso no fim de março deste ano e, segundo a Polícia Civil, 19 mulheres foram ouvidas e denunciaram os abusos à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, mas cerca de 40 mulheres usaram as redes sociais para relatar episódios de assédio.
No dia 26 de junho, testemunhas falaram sobre o caso. Como o processo ocorre em segredo da Justiça, não foram permitidas imagens da audiência. O inquérito da polícia concluiu que ele cometeu crime de violação sexual mediante fraude. Há registros de abusos desde 2008. A pena para esse tipo de delito é reclusão de 2 a 6 anos. Leandro Caldeira sempre negou as denúncias e reafirmou que é inocente. Além dele, o tatuador Pablo Gangale, o “Argentino”, recebeu inúmeras denúncias, mas prosseguiu impune pela justiça.
Repórter DomTotal
As mulheres estão cada vez mais ocupando espaços que, há alguns anos, eram dominados pelos homens. Esse crescimento está claro em projetos como o Festival Mulheres do Mundo, que incentiva, documenta e difunde reflexões acerca de mulheres das artes e culturas, bem como mulheres empreendedoras e ativistas. No mundo da tatuagem a ideia é a mesma: somar e crescer.
Hoje em dia temos mulheres tatuadoras extremamente talentosas chegando junto com trabalhos incríveis, e um dos motivos é nobre: o primeiro censo sobre tatuagem feito pela revista Super Interessante, em 2016, mostra que a maioria das pessoas tatuadas no Brasil é formada por mulheres. Nada menos que 59,9% na época.
Cenário extremamente machista, os estúdios de tatuagem infelizmente ainda deixam muito a desejar. A tatuadora belo-horizontina Sandra Cunha, de 24 anos, criadora do Studio Fogo – composto apenas por mulheres – , aqui de Belo Horizonte, ressalta a batalha acometida pelas mulheres de se inserirem como pessoas potencialmente talentosas nos estúdios. “A maioria das meninas que eu conheço começou a tatuar sozinhas por não serem bem recebidas em estúdios de tatuagem ou por terem que aturar tatuadores assediando ou fazendo piadas machistas. Além disso, há descrença no potencial e capacidade de sermos boas; normalmente nosso sucesso ou crescimento é atribuído ao fato de ‘ser bonita’, ‘ser mulher’, ‘ter namorado alguém’ ou ter ‘seduzido o chefe’”.
Mas a luta não para, muito pelo contrário, só cresce. Hoje as opções são infinitas e vão desde estúdios só de mulheres, como o Sampa Tattoo, em São Paulo, o Blush, em Santos, o Lady Luck (pioneiro!), no Rio, o Artemis Ink, em Curitiba, o Cadê Amélia, em Porto Alegre, o Godarc e o Studio Fogo, em Belo Horizonte, até atendimentos dedicados em casa mesmo. Para desenhos de todos os tipos e gostos, temos uma longa lista de mulheres que provam que podemos e estamos em todos os espaços e profissões – e mandando muito bem, diga-se de passagem.
Assédio sexual
Além da descrença no potencial das tatuadoras, as mulheres que querem ter seu corpo marcado pelos desenhos passam por outra situação extremamente desconfortável, invasiva e traumatizante: o assédio sexual.
Em abril deste ano, a professora e ativista Duda Salabert criou um perfil no Instagram para receber e expor denúncias de assédio sexual. O perfil @foieledenuncia continua ativo, e tem como objetivo o de orientar mulheres sobre maneiras e locais para a realização de denúncias formais, além de criar pontes entre as vítimas e projetos de apoio a mulheres que sofreram violência e assédio. Nas primeiras horas, o projeto ganhou mais de 1.700 seguidores.
A ideia do perfil surgiu depois da denúncia feita por Duda em seu perfil do Instagram sobre o assédio que uma cliente teria sofrido de um tatuador da região Centro-Sul de Belo Horizonte. Depois disso, várias pessoas procuraram a Polícia Civil para denunciá-lo. Leandro Caldeira, de 44 anos, foi indiciado por violação sexual mediante fraude contra 19 mulheres no início do mês de abril. Dias após, o número de mulheres que denunciavam o mesmo tatuador já passava de 40. Além dele, o tatuador Pablo Gangale, mais conhecido como “Argentino”, também recebeu uma série de denúncias, muito parecidas com as de Leandro Caldeira.
Sandra conta que após a denúncia de assédio contra os tatuadores, “muitas mulheres criaram coragem para relatar suas experiências e infelizmente são muitos casos sem denúncia ainda”. Para ela, “é inadmissível que isso aconteça”. A tatuadora “tenta orientar as clientes para saberem como se assegurarem de que tal procedimento é o certo ou está fora do comum”.
Coletivo de mulheres contra o assédio
Nathália Corrêa, tatuadora na cidade de Belo Horizonte, fez um post no Instagram logo após a denuncia com orientações para que os clientes conseguissem diferenciar o que era um procedimento normal na tatuagem e o que era anti-profissional. A partir daí, de forma orgânica, um coletivo de mais de 20 mulheres se reuniu. Além da Nathália, o projeto teve a participação de artistas como Bruna Martins, Camilla Campos, Lu Alvernaz, Thereza Nardelli, Moa e Ana Pedersoli, a embaixadora do Coletivo “Não é Não”.
O coletivo trabalha há três anos a pauta do assédio em diversos espaços e tem como ferramenta de diálogo tatuagens temporárias com os dizeres “Não é Não”.
Essa união se deu para a criação da cartilha informativa, a “Minha Tattoo Minhas Regras”, sobre tatuagem segura, e para “ensinar” como denunciar um assediador.
Bruna Martins, uma das criadoras da cartilha, conta que o apoio às mulheres vítimas desse tipo de abuso foi e é de suma importância: “As primeiras ações foram as de cobrir ou re-significar as tatuagens que tinham sido fruto desses tatuadores, que se tornaram uma espécie de trauma para essas mulheres”.
Bruna conta que o projeto ganhou tanto fôlego que, no final de semana do dia 13 de julho, duas representantes e autoras da cartilha foram ao Rio de Janeiro, no Festival de Mulheres Tatuadoras, para apresentar seu projeto por lá. A tatuadora frisa que a “distribuição da cartilha é totalmente gratuita para que todos tenham acesso às informações”.
Outros motivos levaram também as tatuadoras a refletirem sobre a mulher no campo da tatuagem. Bruna ressalta que a forma como o corpo da mulher é objetificado neste tipo de ambiente – além de vários outros – é um aval para que os abusadores façam o que bem entenderem na hora de tatuar: “Nós vemos muito nessas convenções de tatuagem a forma como o corpo da mulher é exposto, como as pessoas não se preocupam em cobrir o corpo da mulher para mostrar tatuagens em regiões mais delicadas, e a gente acaba vendo que isso acontece por uma questão social do corpo da mulher ser tão objetificado, o corpo da mulher como algo publico, que esta ali à disposição dos outros. Essa, inclusive, é uma das pautas da cartilha “Minha Tattoo Minhas Regras”.
Para quem deseja prosseguir e ajudar com o projeto, Bruna pede para entrar em contato pelo email apoieminhatatu@gmail.com. Ela conta que “o gasto é muito grande, mas conseguimos com uma gráfica para pagarmos somente o material, juntamos a grana e fizemos a cartilha”, mas que toda e qualquer ajuda é de grande importância social.
Para as tatuadoras e para o público, o diferencial dessa cartilha é que ela “conversa” tanto com profissionais quanto clientes, e dá instruções claras sobre como agir no estúdio, prevenir um abuso e também como lidar, caso isso aconteça.
O caso
Após Duda Salabert criar o perfil no instagram para receber e expor denúncias de assédio sexual, dezenas de mulheres finalmente tomaram coragem em conjunto e decidiram expor seus agressores. Entre eles, o nome mais citado foi o de Leandro Caldeira, tatuador da TattoReggae, que acumulou mais de 40 denúncias.
Mulheres afirmam que o homem aproveitava de diversas situações para que as vítimas tivessem seus corpos expostos sem alguma necessidade. Em vários casos, elas relataram que o abusador se aproveitava para “passar a mão” em suas partes íntimas, alegando que fazia parte do procedimento.
Leandro Caldeira Alves Pereira, de 44 anos, foi preso no fim de março deste ano e, segundo a Polícia Civil, 19 mulheres foram ouvidas e denunciaram os abusos à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, mas cerca de 40 mulheres usaram as redes sociais para relatar episódios de assédio.
No dia 26 de junho, testemunhas falaram sobre o caso. Como o processo ocorre em segredo da Justiça, não foram permitidas imagens da audiência. O inquérito da polícia concluiu que ele cometeu crime de violação sexual mediante fraude. Há registros de abusos desde 2008. A pena para esse tipo de delito é reclusão de 2 a 6 anos. Leandro Caldeira sempre negou as denúncias e reafirmou que é inocente. Além dele, o tatuador Pablo Gangale, o “Argentino”, recebeu inúmeras denúncias, mas prosseguiu impune pela justiça.
Redação Dom Total
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