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Os escombros de Simone Teodoro

Terceiro livro da poeta, 'Também estivemos em Pompeia' evoca a solidão, tempos e memórias sombrias em versos contundentes e desesperançados.
Terceiro livro da poeta, 'Também estivemos em Pompeia' evoca a solidão, tempos e memórias sombrias em versos contundentes e desesperançados.
Terceiro livro da poeta, 'Também estivemos em Pompeia' evoca a solidão, tempos e memórias sombrias em versos contundentes e desesperançados. (Divulgação)

Por Jovino Machado*
Não é fácil encontrar um bom poeta na cena contemporânea brasileira. No geral, é difícil degustar um grande poeta. No século 20 era fácil reunir numa só fotografia os poetas Carlos Drummond de Andrade, Hilda Hilst, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Se o mundo não acabar, nos próximos séculos, é possível que a crítica literária possa dizer o mesmo do início da cena poética do início do século 21, colocando na mesma foto os poetas Paulo Henriques Britto, Marília Garcia, César Gilcevi, Adelaide Ivánova, Aroldo Pereira, Ana Elisa Ribeiro e Simone Teodoro.
Sei que muitos vão discordar de mim. É natural que cada um tenha o seu gosto pessoal, e que todos tenham o direito de fazer suas próprias listas com os melhores músicos, pintores, cineastas e escritores. Nenhuma crítica é imparcial e qualquer um que venha se debruçar sobre um trabalho artístico, corre o imenso risco de cometer injustiças, omitindo nomes que ele não gosta ou não conhece, e exaltando os seus eleitos, os seus amigos e cupinchas de sua época. Não vou fugir à regra, mas, dos 437 livros de poemas que li, desde o início dos anos 1980 (sim, como louco metódico que sou, eu tenho um caderno de capa verde no qual anoto todos os livros que li nos últimos 40 anos) e os 725 livros de prosa, não tenho medo de dizer que não é fácil encontrar um bom poeta na cena contemporânea brasileira.
Neste parágrafo, vou apresentar para os possíveis leitores dessa resenha, a poeta Simone Teodoro e seus escombros e catástrofes do estranho e belíssimo Também estivemos em Pompeia. Este é o terceiro livro da Simone Teodoro, que já publicou também Distraídas astronautas (2014) e Movimento em falso (2016), editados pela Editora Patuá, do querido Eduardo Lacerda. O livro não começa na orelha e nem no prefácio. O primeiro poema é a dedicatória: “Para a minha mãe, a encantadora de catástrofes, a fugitiva à frente do fogo”. É com esse verso aparentemente simples, que Simone abre a porta de sua obra para o leitor. É fugindo do fogo da solidão cotidiana e das catástrofes de toda uma vida, que ela espalha as cinzas vulcânicas de seu coração Pompeia, se vingando com beleza do cruel Monte Vesúvio da existência.
Como eu disse no prefácio de seu segundo livro, Simone é uma poeta proustiana que não recupera o tempo perdido, mas registra em seus versos o tempo do amor, da dor e da arte. É também muito interessante e original a forma como a escrita vai se entrelaçando em si mesma. Os últimos versos de cada poema se transformam no título da parte seguinte do livro, como se a compositora de seu próprio destino estivesse escrevendo um único texto, que salta de uma página para outra como estilhaços que se completam para colar as perdas de seu coração, para calar a sua oração.
Não é todo dia que tenho a alegria e a felicidade de encontrar poemas como Vinde a mimMapa para Murilo Mendes e Pássaros na minha garganta. Gostaria muito de falar de alguns outros ótimos poemas dessa Pompeia particular, mas por hora, vou tricotar sobre esses três. Em Vinde a mim, a poeta puxa a orelha de Jesus Cristo e questiona o seu amor pelas criancinhas e pela humanidade, revoltando-se contra as injustiças sociais e se vingando do amor que não teve do seu "criador”. Talvez Vinde a mim seja o melhor texto da obra. É nele que está todo o protesto contra a fome e a pobreza. É nele que a poeta explica como foi enganada pelos dogmas e símbolos da religião. Simone também foi criancinha. "Jesus nunca amou as criancinhas”.
No poema que tem o poeta mineiro no título, o "tropeçar contínuo em linhas emaranhadas de mapas desfeitos" são borrados pelas "lágrimas de Circe", que borra também "todos os desenhos de todas as nossas cartas de navegação”.
Em Pássaros na minha garganta, o eu lírico marca um encontro em frente ao Edifício Maletta e espera pelo fogo de Prometeu, que pode chegar "dentro da bolsa, dentro da boca e nas pontas dos dedos”. Como nos versos do poeta e compositor baiano, a poesia de Simone Teodoro "pegou meu coração, comeu, mastigou, deglutiu, comeu”. Em seu livro Finesse e fissura, Ledusha escreveu: “Na sexta comi um poeta, no sábado um crítico, domingo, sonrrisal”. Não é fácil ser comido por uma poeta.

TAMBÉM ESTIVEMOS EM POMPEIADe Simone Teodoro
Editora Patuá
120 páginas
R$ 40
*Jovino Machado é poeta, autor de 'Sobras completas' (2015) e 'Trilogia do álcool' (2018).

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