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Desenhos e pinturas do artista Babinski ganham exposição em São Paulo


Amiga de longa data de Babinski, a curadora de artes visuais Dodora Guimarães percorre a trajetória do artista polonês, radicado em Várzea Alegre, que lança exposição no dia 7 de setembro. Com 66 desenhos e duas pinturas, a mostra tem curadoria de Fernando Stickel e Agnaldo Farias


Maciej Babinski é um dos últimos artistas modernistas brasileiros. É, portanto, um raro. Do alto dos seus 88 anos completados no último abril, ele confessa que em Várzea Alegre, Ceará, construiu uma estratégia de vida que lhe permitiu produzir e viver melhor, com o inestimável aporte das pessoas à sua volta.
"Aqui, descobri valores da minha infância", entusiasma-se. Desde que aportou no Sítio Exu, onde construiu família, casa e ateliê, com todas as condições físicas para o seu trabalho de artista, no início dos anos 1990, Babinski diz estar aprendendo com as pessoas da comunidade sobre a vida em comum.
"As pessoas aqui sempre souberam fazer poesia com as palavras e com os objetos, sem a interferência de superiores. A estrutura social é forjada por uma cultura fortíssima. Isso tem a ver com os artistas polacos românticos". Essa certeza o alimenta. As afinidades culturais selaram o seu destino. De polonês naturalizado brasileiro, Maciej Babisnki (Varsóvia, 1931) vê-se agora um sertanejo do Ceará.
Da janela de seu ateliê, ele observa continuamente a passagem da luz sobre o morro azulado no horizonte longínquo. Este morro que é tão presente no seu repertório, como se fora o seu "Sainte-Victoire" (de Paul Cézanne). Aliás, o imaginário do artista não arreda o pé do lugar. A poesia plena que ele precisa está lá, na natureza e na face do seu povo.
Num discurso comovente, ele nos conta que no Sitio Exu, em Várzea Alegre, encontrou um freio para reter um pouco o processo da velhice, representado pelo carinho e nas muitas coisas boas encontradas. Que lá, pode se perceber e perceber os outros.
Pergunto-lhe: afinal, são quantos anos de Ceará, Babinski? A resposta vem depois de uma gargalhada estridente:
"28 anos!!! Eu nunca morei tanto num lugar, nunca. Agradeço à Lidia (Epifanio Babinski), minha esposa, e à sua família, tudo o que encontrei nestes anos. O que eu não consegui antes em outros lugares, encontrei aqui. As adversidades acumuladas foram aqui sendo resolvidas e substituídas pela satisfação de perceber que consegui algum progresso como ser humano e como artista".
Como sertanejo aprendiz, ele contempla o céu buscando nuvens de chuva. Para ele: "comunicação é olho no olho. Saber viver é ter o pé no chão. Quando você começa a se perder, você começa a se buscar. Arte não tem nada a ver com a realidade.
A beleza é uma descoberta de alguma coisa que solicita a sua atenção em um nível muito complexo. A velhice é o momento de, finalmente, se enxergar." Objetivo, veloz, certeiro. Ele diz já não ter mais nenhum medo, nem mesmo de errar. Deixando-se contaminar pelo frescor da hora, aproveitou a energia e a saúde para apontar um novo rumo para o muito que tem a dizer nesse momento.
Entre novembro de 2017 e maio de 2018 Babinski abriu dos peitos e liberou a memória, deixando fluir um conjunto de desenhos, à base de grafite e aquarela, que ele próprio percebeu estar diante de um momento privilegiado. É justamente esta série magistral que o Mestre de Várzea Alegre apresentará na exposição "Retratos eriçados", a ser inaugurada no dia 7 de setembro, na Pharmacia Cultural, da Fundação Stickel, em São Paulo.
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Nesses desenhos de Babinski, o gesto é solto e a serviço da representação de pessoas
FOTO: LUCAS CRUZ
O ponto de chegada à nova série é uma ruptura, um corte: após a retomada feérica da gravura em metal nos anos cearenses, Babinski abraçou a pintura de grande formato, com forte presença figurativa e colorido vibrante. Vale aqui lembrar a exposição "O Sertão Alegre de Babinski", apresentada no Museu da Cultura Cearense, do Centro Dragão do Mar, em 2016.
As obras de agora, são pequenas "janelas", como a lembrar que:
"O formato pequeno também pode cutucar o subconsciente. É também a redescoberta do preto, dos matizes, das tonalidades. A descoberta de ver um ser humano e captar dele suas características mais marcantes. Reduzir algo muito complexo a pouquíssimos elementos - é a ocorrência da síntese. Vi que todos os desenhos que eu não fiz quando mais jovem, agora eu fiz. Valeu a pena viver"
.
 Ele acrescenta ainda a grande satisfação obtida com estes trabalhos de formatos tão mínimos, o prazer de tê-los nas mãos e a intimidade proporcionada pelo tamanho, na altura do coração.
Contra a memória fugidia e a favor da liberdade absoluta, nestes trabalhos Babinski é caligráfico. E autobiográfico. Ele e Lidia formam um dueto constante. A velocidade como fator necessário para atingir a espontaneidade, ele diz trazer do período de convivência com o grupo canadense "Les Automatistes", mesmo sendo um artista figurativo.
Nesta altura dos acontecimentos é preciso dizer que antes de chegar ao Sítio Exu, em Várzea Alegre, Maciej Antani Babinski, saiu da Polônia para a França, desta para o Reino Unido, deste para o Canadá, até desembarcar no Rio de Janeiro, em 1953. No Brasil, além do Rio, ele viveu e trabalhou em São Paulo, Araguari, Brasília e Uberlândia, até de Brasília chegar finalmente à sua terra prometida, com Lidia Epifanio Babinski.
Todos os seus trabalhos têm como assunto o ser humano e as relações sociais. "Cada gesto tem a sua origem na memória; da memória do corpo, da memória da mente, da memória que entrou pelos olhos", conclui apontando para o duelo existente nas narrativas: a dominação, a agressividade, a discórdia, a concórdia, a dificuldade da lida com as diferenças.
Para se soltar das amarras, dos esquemas racionais, ele se apresenta como ambicioso. É nesse aspecto que entra a velocidade, o traço frenético, o movimento decisivo. A mancha da tinta (aquarela) e a linha (grafite) se complementam de maneira muito dinâmica. A vida é veloz. Aviso ao público: é necessário se dispor a olhar.
Serviço
Exposição "Retratos eriçados", de Babinski. Abertura: Dia 7 de setembro, das 11h às 15h, com exibição do filme "Babinski", às 13h. Visitação até o dia 1º de novembro. De segunda a sexta, das 11h às 16h. Sábados, das 11h às 15 h. Endereço: R. Nova Cidade, 195 - Vila Olímpia. Informações: (11) 3083.2811

Diário do Nordeste

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