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A importância da comunicação para o profissional das áreas exatas

Se a máquina realizará vários trabalhos em substituição ao ser humano, será demandado ao ser humano que seja, cada vez mais, humano


Se você tem um perfil mais analítico ou mais comunicador, não desperdice a oportunidade de comunicar seus valores e o que você faz de melhor
Se você tem um perfil mais analítico ou mais comunicador, não desperdice a oportunidade de comunicar seus valores e o que você faz de melhor (Pixabay)
Aline Oliveira*
O que nos diferencia de uma máquina? Certamente não são as habilidades técnicas, mas as comportamentais, dentre as quais destaco inteligência emocional, criatividade, relacionamento e adaptabilidade.
Vivemos num momento em que há muito mais perguntas do que respostas. Temos o privilégio de viver não só uma simples era de mudança, mas uma mudança de era. O mundo é Vuca (em português: volátil, incerto, complexo e ambíguo) e nós somos parte dele.
Tenho refletido e estudado sobre a mudança nas relações profissionais e comerciais. Está claro que todos nós precisamos aprender a nos comunicar melhor e de maneira mais eficiente nesse momento de mundo. Nessa busca por respostas, encontrei a teoria da nova comunicação1, que traz uma visão nova sobre o tema: comunicação é sinônimo de comportamento. Isso significa que nós não nos comunicamos somente ao falar, escrever um texto ou um e-mail.
Escuto, com frequência, engenheiros ou futuros engenheiros e outros profissionais de áreas técnicas dizendo que não precisam se comunicar. Mesmo aquela pessoa introspectiva, que não quer falar em público, precisa se comunicar. De acordo com a teoria, se comunicação é comportamento, tudo comunica! Não é possível não comunicar. O fato de ir ou não ir a uma reunião, falar ou não nessa reunião, apresentar ou deixar de apresentar um trabalho, tudo isso transmite informação a outras pessoas. Muitas vezes, uma ausência ‘fala’ mais do que a presença. O silêncio ‘fala’ mais do que o discurso. Ou seja, nos comunicamos o tempo todo e de todas as formas. A começar pela maneira como nos vestimos ou posicionamos. De acordo com um estudo da Universidade da Califórnia de 1967 e válido até hoje, 55% de tudo que o que compreendemos é não verbal2. Ou seja, mais da metade de tudo que as pessoas entendem do nosso discurso tem mais relação com a nossa presença, com o brilho dos nossos olhos e com o que realmente somos, não com o que dizemos de fato.
Com a predominância da comunicação sendo realizada virtualmente, por e-mail, Whatsapp e outros aplicativos, é necessário ter um cuidado ainda maior. Se não estamos presentes fisicamente, boa parte dos recursos (55%) não chegam ao interlocutor. Dessa forma, é importante ser o mais claro possível ao se expressar. E se estamos do lado oposto, é necessário desenvolver a compreensão, pois a chance da mensagem ser mal interpretada é maior quando somente palavras são usadas.
Essa teoria vai ao encontro do pensamento tão difundido atualmente, mas ainda pouco aplicado, de que é preciso dar prioridade ao desenvolvimento daquelas habilidades comportamentais mencionadas no início deste texto, as chamadas soft skills. A questão é que essas habilidades não são ensinadas em aulas tradicionais ou em livros didáticos. Para desenvolvê-las, é preciso ter autoconhecimento e experimentar novos desafios.
Por falar em autoconhecimento, um ponto essencial para melhorar a comunicação com o outro é aprimorar a comunicação consigo mesmo. Tudo o que comunicamos com o outro tem a ver com o que está acontecendo dentro de nós: o quê e como estamos pensando, como construímos o raciocínio, como julgamos as situações e as pessoas, como criticamos e como é o repertório que temos na memória. Todos nós vivenciamos dilemas internos diariamente. Podemos ter um lado que quer empreender, outro que quer ganhar mais dinheiro, um lado que quer se casar e outro que quer emagrecer. Isso é real. Por isso a comunicação essencial é consigo mesmo. Se não estamos bem resolvidos com todos os lados, esse conflito interno reverbera na forma como nos comunicamos com o outro. Se é o que temos, é o que podemos oferecer. Como já dizia na Bíblia: “a boca fala do que o coração está cheio”.
Os processos de autoconhecimento estão sendo muito incentivados atualmente: atenção plena, mindfullness, silêncio, Yoga, atividades físicas e outros. Entendemos, como sociedade moderna, que é necessário buscar o equilíbrio em todos os níveis: espiritual, emocional, físico e social. Precisamos de momentos de pausa para organizar a conversa interna e ter um recurso melhor para utilizar na comunicação com o outro. Você já parou para refletir sobre isso? Os profissionais das exatas, geralmente muito analíticos e pragmáticos, tendem a negligenciar tal necessidade.
No presente momento, mais do que nunca, precisamos ser responsáveis pelo que comunicamos. Como se diz na internet: “o print é eterno”. Uma palavra ou um comportamento enganado pode construir ou destruir reputações, vidas ou relações. Lembra daquela sábia tradição dos avós de contar até dez diante de um problema? Isso nada mais é do que inteligência emocional.
A neurociência explica que nosso cérebro tem mecanismos de reação com tempos de atuação diferentes. As reações rápidas, que envolvem somente a emoção, são ativadas pelo sistema límbico. Historicamente, esse sistema se originou a partir da emergência dos mamíferos mais antigos, pois comanda comportamentos necessários à sobrevivência. Em uma situação de emergência, quando o tempo para tomar decisão é muito restrito, esse sistema age de forma poderosa e é capaz de nos salvar de grandes perigos. Mas esse recurso não deve ser usado como área principal do cérebro. O termo límbico já deixa isso claro, porque é relativo a limbo, ou seja, remete a um conceito de margem, secundário.
Quando oxigenamos o cérebro e damos tempo para que outros mecanismos trabalhem diante de uma dificuldade, somos capazes de acessar o córtex, que é a área inteligente do cérebro. Quando fazemos uma pausa, o cérebro inteligente tem tempo de operar. O córtex trabalha acessando toda a biblioteca que existe na memória, nos conhecimentos já adquiridos. Gasta-se tempo para percorrer todo esse repertório e analisar os diferentes aspectos de uma determinada situação. Atualmente, é comum sermos conduzidos pela ansiedade, o que pode nos levar a subutilizar a parte inteligente do cérebro. Portanto, é importante saber resistir ao impulso de apenas reagir. As melhores ideias, as melhores respostas, vêm sempre a partir de uma boa reflexão.
Se engana quem pensa que diálogo é apenas uma troca de ideias. Diálogo é um processo de aceitação da diversidade, de respeito a opinião do outro e de entendimento de que todo ponto de vista é a vista de apenas um ponto. 
Hoje se fala muito sobre conflito de gerações. Mas não só as diferentes gerações têm gatilhos de comunicação diferentes. Todo ser humano tem, porque nós não vemos a vida como ela é, vemos a vida como nós somos. Nós somos um conjunto de lentes, que são construídos desde a primeira infância, a partir de cada livro que lemos, das comidas que comemos, dos esportes que já praticamos, de onde vivemos, da família que temos... Enfim, depende de tudo que já experimentamos na vida. E é a partir desse conjunto de lentes que nos relacionamos com o mundo. É por isso que não são raras as vezes em que dizemos algo que soa muito bem para uns e é, ao mesmo tempo, ofensivo para outros. E isso não tem relação somente com a forma como dizemos, mas também com a forma como os outros ouvem, porque cada pessoa ouve e vê com seu próprio conjunto de lentes.
A distância que existe entre as gerações é resultado das experiências que cada uma delas tem, que antes eram muito próximas e atualmente são completamente separadas. Até os anos 90, as experiência de um adolescente e de um sênior poderiam variar muito pouco. As opções de conteúdo, entretenimento e estudo eram mais escassas, existia mais tradição e menos opção, tudo acontecia dentro de um script previsto. Me lembro claramente da época em que só existia TV aberta e toda a família passava os domingos juntos assistindo Faustão ou Gugu, desde a criança bem pequena até o bisavô. Em muitas ocasiões como essa, todos consumiam o mesmo conteúdo, discutiam sobre os mesmos assuntos, frequentavam espaços comuns, eram influenciados pelas mesmas experiências. No momento é diferente. Quando a família se reúne aos domingos, o que já começa a ser raro, cada um assiste ao que mais lhe interessa, em seu próprio celular, computador ou TV. Mesmo quando a conta do Netflix é familiar, cada membro tem um perfil independente, que alimenta sua lista de sugestões de acordo com o seu interesse particular. As gerações vivem experiências e recebem estímulos distintos, não mais compartilhados. Hoje o conceito de família é diferente, assim como as relações de trabalho e estudo. A diferença entre as gerações não é função exclusiva das idades, mas dos mundos distintos em que vivemos.
Já que essa diferença existe, é necessário exercitar a escuta e a empatia para que as relações sejam frutíferas. O jovem deve se abrir para escutar o ponto de vista do mais experiente, assim como o sênior precisa procurar entender o que o outro vê pelo seu conjunto de lentes. E se pararmos para escutar, veremos que há muito valor no que vem do outro.
Não podemos nos esquecer de que todos somos humanos. Cada um na sua humanidade está tentando atender aos seus interesses, achar respostas para suas questões e, com certeza, está fazendo o que é possível neste momento. Esse é o real desafio da comunicação entre seres humanos tão diversos que somos. E ao mesmo é onde está a maior riqueza da convivência.
Se você tem um perfil mais analítico ou mais comunicador, não desperdice a oportunidade de comunicar seus valores e o que você faz de melhor.
Minha recomendação de podcast inspirador: CBN Professional, episódio 116 com Vânia Bueno. Investigação Apreciativa: uma nova abordagem para os problemas, 2019.
1 Nhat Hanh,Tich. A arte de se comunicar; tradução de Karin Andrea de Guise – Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
2 Mehrabian, A., & Wiener, M. (1967). Decoding of inconsistent communications. Journal of Personality and Social Psychology, 6(1), 109–114.
*Professora e consultora nas áreas de sustentabilidade, educação e inovação. Atualmente, professora responsável pelo Centro de Simulação e Intercâmbio da EMGE. Pesquisadora nas áreas de empreendedorismo, inovação e engenharia sustentável. Doutora em química pela Universidade Federal de Minas Gerais, com experiência em Environmental Science em Regis University/USA. Vencedora do prêmio Inventor Petrobrás e de competições de empreendedorismo tecnológico: Venture Labs Latin Moot Corp, Idea to Product Global competition e Idea to Product Latin America. Contemplada com quatro prêmios pela tese de doutorado, destacando-se prêmio CAPES de tese, Grande Prêmio UFMG de teses e prêmio tese em Catálise da Sociedade Brasileira de Catálise. Possui três patentes e 15 artigos científicos publicados.

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