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Folhetim drummondiano

João amava Tereza... ou era a Teresa?


O que deveria chegar à uma fez tremer o celular da outra, lá nos EUA
O que deveria chegar à uma fez tremer o celular da outra, lá nos EUA (John Tuesday/Unsplash)
Pablo Pires Fernandes*
João mandou um WhatsApp para Teresa, que repassou para Raimundo, que enviou para um grupo e se espalhou feito notícia ruim. Na real, João ficou incumbido de dar a triste notícia para Tereza. Mas a Tereza com Z e a Teresa com S nem se conheciam, e o que deveria chegar à uma fez tremer o celular da outra, lá nos Estados Unidos.
As palavras eram mesmo péssimas e, diante da facilidade instantânea, da verborragia digital dos dias de hoje, não tardaram a alcançar dimensão extraordinária. Depois do baque, Teresa com S tentou se comunicar com a família, sem sucesso. Não se aguentando de ansiedade, arrumou a mala às pressas, comprou passagem para o primeiro voo e foi em desabalada carreira para o aeroporto. No trajeto, trocou mensagens de áudio com Raimundo que, incrédulo, tentava acalmar a amiga. Ele garantiu que tomaria as providências sobre o funeral.
No afã solidário com a amiga, Raimundo mandou a notícia do falecimento do pai de Teresa com S para todos os colegas de faculdade, pedindo orientação sobre os trâmites necessários para o enterro. A consternação foi geral, afinal, Teresa era querida por todos. Mas o defunto era o pai da Tereza com Z, que nem tinha recebido a notícia.
A turma da Escola de Engenharia era unida e rapidamente moveu mundos e fundos para ajudar Teresa com S. Advogados, trabalhadores de cartório e indicações de funerárias choveram no grupo de WhatsApp. No avião, Teresa com S recusou a comida sem conseguir parar de chorar enquanto Tereza com Z, calmamente, jantava um espaguete à bolonhesa preparado pelo marido e pela filha de 2 anos.
Fátima, irmã de Teresa com S, foi a primeira a notar algo de errado quando leu no Facebook um post anunciando a morte de seu próprio pai. Depois de ouvir o velho Lúcio responder às gargalhadas – “ainda estou firme e forte, filha” –, ela matou a charada: fake news.
Involuntário autor de toda a confusão, João soube do erro através do irmão de Tereza com Z, que o convidava para o velório. Tentou desfazer o engano no momento em que Teresa com S desembarcava, de olhos inchados, em solo tupiniquim. Do aeroporto e a casa dos pais, Teresa com S se emocionou ao ler as mensagens de condolências e apoio provenientes das mais variadas pessoas – todo o pessoal da faculdade, amigos de infância, gente que mal se lembrava.
Quase chegando ao destino, topou com a frase de João: “Teresa, mil desculpas, mandei para a pessoa errada. Quem morreu foi o pai de outra amiga chamada Tereza”. Primeiro, sentiu alívio, depois, indignação por João ter cometido um equívoco de tal monta e feito ela passar por tamanha aflição e sofrimento.
De fato, fato mesmo, real e concreto, foi que seu Joaquim, pai da Tereza com Z, não suportou a agonia do câncer e antecipou sua própria morte tomando café com leite, açúcar e uma dose cavalar de comprimidos. João não sabia como se desculpar, mas foi quem apresentou, no velório, Tereza com Z a Teresa com S, que fez questão de comparecer ao triste momento. 
*Pablo Pires Fernandes é jornalista. Trabalhou nas editorias de Cultura e Internacional nos jornais 'O Tempo' e 'Estado de Minas', onde foi editor do caderno Pensar. É diretor de redação do 'Dom Total'

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