Fundamentar a moral na ética nos liberta do fundamentalismo
A palavra ética vem do grego ethos, originalmente tinha o sentido de lugar em que se vive e posteriormente passou a significar caráter (Micheile Henderson/ Unsplash)
Élio Gasda*
“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê” (Monteiro Lobato). O que os livros, “um amontoado… Muita coisa escrita” (Bolsonaro), nos ensinam sobre ética? A palavra ética vem do grego ethos, originalmente tinha o sentido de “lugar em que se vive” e posteriormente passou a significar “caráter”. A ética tem como objetivo explicar racionalmente o modo de ser, o comportamento moral do indivíduo e da sociedade. A moral oferece orientações para ações concretas. A ética quer argumentar como agir para conduzir a vida de uma maneira boa e justa para se conquistar a felicidade.
Moral refere-se ao conjunto de preceitos, leis, códigos de comportamentos. As teorias éticas tentam explicar este acervo da moral. A moral responde à pergunta “O que devemos fazer?” e a ética, “Por que devemos?”
A ética não se identifica com nenhum código moral, pois ela é crítica dos costumes morais. Ela tem a função de averiguar as razões que conferem sentido de se viver moralmente. A moral dogmatiza e absolutiza com seus códigos, enquanto que a ética argumenta criticamente. O argumento racional impede o fundamentalismo, já o dogmatismo da autoridade e da hipotética racionalidade é única justificativa do fundamentalismo. Argumentar racionalmente: este é o modo de proceder da ética.
Um código moral pode ser religioso, suas normas fundadas na divindade ou na autoridade religiosa. A moral comum exigível de todos não pode ser uma moral confessional oposta à existência dos tipos de moral não religiosa. Ela precisa ser simplesmente civil, isto é, independente das crenças. A moral dos princípios partilhados, típica da sociedade pluralista, permite a convivência de diferentes orientações morais.
Sócrates ensinou que a excelência humana se revela pela atitude de busca da verdade. Isso significa abandonar fundamentalismos e abrir-se ao diálogo deixando-se convencer pelo melhor argumento. Quem conhece o bem sente-se impelido a agir bem. Platão, na mesma linha, propõe uma sociedade baseada na moral. A República perfeita é constituída por governantes impelidos a agir bem, que administram a cidade com sabedoria, justiça e prudência. De um bom governante espera-se bons exemplos, bom caráter, comportamento moral.
Aristóteles se pergunta “qual é o fim último de todas as atividades humanas?” Este fim não pode ser outro que a eudaimonia. A felicidade como autorrealização é um bem perfeito que se busca por si mesmo, desejável por si mesmo, e não como meio para outro fim. A felicidade perfeita reside no conhecimento, no exercício da reflexão e compreensão da realidade, em dominar os desejos (avareza, luxo, etc.) e conseguir uma relação amável com a natureza e a sociedade.
Para Santo Tomás de Aquino, esta felicidade perfeita de contemplar a verdade se identifica com o próprio Deus. Esta verdade leva ao primeiro imperativo da ética: “Faze o bem e evite o mal”. Os imperativos ordenam incondicionalmente porque estão a serviço de um valor absoluto que são as pessoas. Fazer o bem sempre!
É tarefa da ética descobrir as formas para que este imperativo se converta em normas morais. Para Kant, uma das formas se expressa na máxima: “Aja de tal maneira que você trate a humanidade tanto em ti como em qualquer outro, sempre como um fim em si mesmo e nunca apenas como meio”. Reconhecer aos seres humanos um valor absoluto. Esse é o sentido de a pessoa não ter preço, mas dignidade, porque não podem ser trocados por algo equivalente. A ética nasce no encontro com o outro, destaca Levinas.
Fundamentar a moral na ética nos liberta do fundamentalismo. Fundamentar é argumentar, oferecer motivos bem articulados para esclarecer porque se prefere atitudes e normas e não outros, determinados critérios morais e não outros. Assim foge-se da arbitrariedade e previne-se o fanatismo da crença cega incondicional. Caso contrário, “neste mundo, os loucos guiarão os cegos” (William Shakespeare).
A ética quer ajudar o ser humano a fazer bom uso da sua natureza humana e da própria razão. Para o cristianismo, o ser humano é o ponto de encontro entre Deus e a ética. Para a ética, inviolável é o ser humano, não a doutrina moral. Dois Papas estão de acordo: “A ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida (Francisco, Evangelii gaudium, 54). E, “não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus" (Bento XVI, discurso de Regensburg).
“Eu, do livro não me livro. E nem quero me livrar.
Se do livro eu me livro, como livre vou ficar?” (Silas Fonseca).
Se do livro eu me livro, como livre vou ficar?” (Silas Fonseca).
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