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Tribos da Amazônia entram na era digital para defender cultura e floresta

Ameaçadas pela destruição da floresta, tribos publicam vídeos nas redes sociais e usam drones para contar sua história e se unir forças para defender sua cultura


Com celulares, câmeras e drones, indígenas usam as novas mídias para mostrar sua cultura
Com celulares, câmeras e drones, indígenas usam as novas mídias para mostrar sua cultura (REUTERS/Ricardo Moraes)
Nos anos 1980, o primeiro parlamentar indígena do Brasil, o cacique xavante Juruna, circulava com um gravador para registrar conversas com outros políticos porque dizia que a palavra do homem branco não era confiável.
Na era digital, ameaçadas pela destruição de sua floresta e pela invasão da agricultura em suas terras, as tribos brasileiras estão publicando vídeos nas redes sociais e filmando com câmeras instaladas em drones para contar sua história e fortalecer sua ameaçada cultura.

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Em uma reunião de centenas de líderes tribais amazônicos realizada nesta semana na reserva do Xingu para debater maneiras de resistir a planos do governo para os povos indígenas, cada discurso e dança ritual são gravados e compartilhados na internet.
A Mídia Índia, uma rede que se classifica como a voz do povo indígena, publica notícias e imagens no Instagram e podcasts no Spotify para ajudar a manter os 850 mil indígenas do país informados.
Erik Terena, um de seus organizadores, disse que isso se tornou uma tarefa mais urgente do que nunca desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que afirma que os povos indígenas não deveriam ser mantidos "como animais em um zoológico" e que pretende abrir reservas ao garimpo e à agricultura.
"Estamos vivendo sob um governo que usa notícias falsas e mente para prejudicar a população indígena", afirmou. "Estamos tendo que lutar contra uma nova colonização recorrendo à etnomídia para contar a verdade sobre nós", explicou Erik, membro da tribo terena.
Bolsonaro diz que seu plano para desenvolver a Amazônia tirará os povos indígenas da pobreza. Ambientalistas alertam que isso acelerará a destruição da maior floresta tropical do mundo, que é uma defesa contra a mudança climática.
A Mídia Índia começou como um canal de comunicação audiovisual para fortalecer as identidades culturais indígenas, segundo Erik.
Uma de suas postagens recentes mostrou o cacique kayapó Raoni Metuktire, amigo do roqueiro britânico Sting, durante a abertura da reunião no Xingu, na qual usava um cocar de penas de japu-preto e pedia que o governo Bolsonaro deixe as comunidades indígenas em paz.
Uma foto publicada em janeiro mostrou uma edificação em chamas após um ataque de homens armados que ameaçaram um vilarejo da tribo kaiowá no Mato Grosso do Sul, uma área que foi palco de violentas disputas de terra com agricultores nos últimos anos.
Documentando o evento, o diretor e fotógrafo Kamikia Kisêdjê disse que vídeos e fotografias digitais se tornaram uma ferramenta vital para transmitir a voz das tribos amazônicas, que estão perdendo suas terras ancestrais e seus lares florestais.
Indígenas e seringueiros contra Bolsonaro
Tribos indígenas e seringueiros da Amazônia uniram forças, na última quarta-feira (15), para se opor a medidas do governo do presidente Jair Bolsonaro que afirmam estar destruindo a floresta da qual dependem para viver.
Cerca de 450 membros de 47 tribos se reuniram pelo segundo dia para debater como resistir às medidas de Bolsonaro para enfraquecer agências governamentais encarregadas de proteger o meio ambiente e o direito à posse de terras ancestrais.
Bolsonaro alega que as tribos têm terras demais e quer abrir as reservas indígenas à mineração e à agricultura para desenvolver a Amazônia e tirar os povos indígenas da pobreza.
O chefe kayapó Raoni Metuktire, que convocou a reunião em seu vilarejo junto ao Rio Xingu, pediu ao Congresso que barre as iniciativas do presidente.
"Estamos aqui para defender nossa terra e dizer (a Bolsonaro) que pare de falar mal de nós", disse Raoni, que se tornou uma referência global por sua campanha ambiental nos anos 1980 em companhia do músico Sting. O líder indígena disse que jamais aceitaria a mineração em suas terras ancestrais.
Entre os presentes na reunião estava Angela Mendes, filha do seringueiro, líder sindical e ambientalista Chico Mendes, que foi assassinado em 1988 devido aos seus esforços para proteger a floresta tropical.
"Unidos, podemos resistir. Eles têm o poder do Estado, mas nós temos a força das águas, das flores e da terra ancestral", disse ela em uma coletiva de imprensa.
A existência de comunidades extrativistas não indígenas que vivem da extração de látex e da venda de frutas da floresta está sendo ameaçada pelo desmatamento, alertou.
Mendes fez uma aliança com Sonia Guajajara, chefe da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a maior organização de tribos do país.
"Este é um momento muito grave de nossa história. Parece um cenário de guerra", disse Guajajara, acusando Bolsonaro de atender aos interesses do poderoso agronegócio brasileiro, que está avançando sobre a região amazônica.
O aumento da violência contra os 850 mil povos indígenas do Brasil, resultante das disputas de terras com agricultores, do corte de árvores e da mineração em reservas indígenas, ameaça o futuro das tribos, argumentou.
Bolsonaro prometeu integrar os povos indígenas à economia e à sociedade, uma assimilação que Guajajara disse equivaler à extinção de suas culturas e linguagens.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), controlada por uma autoridade policial escolhida por Bolsonaro, informou que a reunião no Xingu era um "evento totalmente particular" que não apoiaria por não estar "alinhada" com a política do governo.

Reuters

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