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Tornar efetiva a esperança

Deixemos que o melhor que há em nós seja interpelado pela urgência desses tempos
O que nos levará a sair vitoriosos e salvos dessa crise é a responsabilidade
O que nos levará a sair vitoriosos e salvos dessa crise é a responsabilidade (Rose Erkul / Unsplash)

Felipe Magalhães Francisco*
O bom senso e, mais que isso, a responsabilidade, tem feito com que os que podem fiquem em casa. O isolamento é fundamental para o achatamento da curva do pico de contaminação com o Covid-19: isso já tem sido um refrão exaustivamente repetido, e que deve continuar sendo. Há muita gente não levando a sério a gravidade da situação. Há cidades em nosso país sem condições mais de receber pacientes que necessitem de leitos de UTI: e isso só tem um significado, que é que algumas pessoas morrerão sem terem recebido o tratamento adequado. As pessoas que podem, devem manter o isolamento, em cuidado para com as próprias famílias; para com aquelas pessoas que têm doenças crônicas; para com aquelas que são do grupo de risco; para com as pessoas que continuam a trabalhar, prestando os serviços essenciais; para com as pessoas que têm que continuar a trabalhar, porque pressionadas por seus patrões com ameaças de desemprego...
São tempos de desgraça! Não é Deus que nos pune; a pandemia não tem um sentido em si mesma; não é uma conspiração mundial, para tirar o presidente do Brasil do poder. O que nos levará a sair vitoriosos e salvos dessa crise não é o grito orgulhoso dos líderes religiosos, que se veem como que invencíveis em sua teologia da prosperidade; nem o alopramento senil de governantes em exercício, com seus discursos demagógicos que seduzem a muitos. É a responsabilidade. E, ainda assim, muitos dentre nós se perderão pelo caminho, como já estão se perdendo. Estamos fragilizados, ameaçados por um mal invisível que deixa rastros muito visíveis. E, de alguma maneira, temos sido impotentes, ainda, diante desse mal. Mas nossa impotência, no sentido mais objetivo, de não ter tratamento tão seguro e eficaz, de não ter vacina, de não ter leitos suficientes para acolher a todos e todas que precisam, não significa que não há nada que não possamos fazer.
Ficar em casa os que podem. Não disseminar conteúdos de Whatsapp e outras redes sociais, sem o devido amparo científico e comprovada procedência. Não se associar e promover discursos teóricos da conspiração, tampouco de falsos messias com suas alucinadas curas. Participar, sempre que possível, de iniciativas legítimas de arrecadação de fundos e alimentos para os que mais precisam. Compartilhar e divulgar boas iniciativas cidadãs, de serviços generosos em prol do bem-comum. Acompanhar e cobrar dos políticos, ações efetivas para minimização dos danos e para a superação da crise, tanto nas redes sociais quanto nos canais oficiais de comunicação. Valorizar e apoiar os microempreendores, os prestadores de serviços.
Essa triste situação vai passar. Mas ainda não sabemos quando nem o que nos custará, até que passe. Vivamos comedidamente, com responsabilidade. Nutramos afeto e solidariedade. São tempos em que precisamos rever nossos pactos sociais, romper com o individualismo. Defendamos nosso Sistema Único de Saúde, o SUS; lutemos para mais investimentos públicos, que visem a qualidade e a eficácia dos atendimentos, a valorização dos profissionais de saúde e de toda uma teia de prestadores de serviços. Essa pandemia, em si, não nos ensina nada: ela apenas escancara nossas muitas fragilidades, torno a dizer. Mas, como seres capazes de refletir, de atribuir sentido às experiências, podemos crescer humanamente a partir dessa crise que afeta a todos e todas. Deixemos que o melhor que há em nós seja interpelado pela urgência desses tempos, a fim de que sejamos construtores de uma sociedade nova, realmente nova. Essa é a verdadeira esperança: aquela que nos faz atuar, em vista daquilo que esperamos!

*Felipe Magalhães Francisco é é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com

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