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Um guia para corações nas trevas

Conrad é um mestre em apontar ventos que podem, ou não, enfunar as nossas velas em direção a portos seguros
Conrad foi capitão do Bark Otago, aqui ilustrado na primeira edição de Sea Mirror (1906) de acordo com instruções do autor
Conrad foi capitão do Bark Otago, aqui ilustrado na primeira edição de Sea Mirror (1906) de acordo com instruções do autor (Wikimedia)
Ricardo Soares*
Poucos escritores parecem estar capacitados a nos fazer atravessar esses mares revoltos de pandemia, desamor e ignorância ostentação como o eterno Joseph Conrad, homem do mar, um polonês que se notabilizou por escrever lindamente em inglês e por navegar oceanos e rios do mundo para nos legar maravilhas como NostromoA linha de sombraLord Jim ou Coração das trevas que o deixou ainda mais conhecido no século 20 por ter inspirado Apocalipse now o obrigatório filme de Coppola.
Para ficar aqui em metáforas marítimas digamos que Conrad não é exatamente um farol a nos guiar mas sim um mestre em apontar ventos próprios e impróprios que podem, ou não, enfunar as nossas velas em direção a portos seguros. Descobri tardiamente Conrad ou, digamos, demorei demais para mergulhar na sua ficção atormentada , inquieta , correntezas nada turísticas que nos levam sempre a ilhas, horizontes, tormentas e calmarias nunca vistas.
Aleatoriamente, talvez por estar sugestionado por esses dias de “corona” eu pincei um diálogo de um capitão com o cozinheiro de um navio ao avistarem uma tempestade em A linha de sombra:
— Como está lá fora? eu lhe perguntei.
— Muito escuro de verdade, senhor. Há algo nisso, com certeza.
— Em que região?
— Todos os lados, senhor.
Eu repeti preguiçosamente com os cotovelos em cima da mesa : — Todos os lados. É claro.
Para nós que hoje lemos Conrad mais de um século após seus livros serem lançados e quase um século após a sua morte é claro que ele sabia, desde sempre, que as trevas começam é no coração dos homens. Mas não desanimem. Porque Conrad não é apenas pessimismo. É alumbramento também. Um jeito de termos certeza de que “navegar é preciso” como diria aquele notável poeta português que navegava outros mares. Tão belos como os de Conrad apesar de tempestades nos horizontes.

*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários.

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