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Apagão cultural

Falta percepção, entendimento e consideração das potencialidades e relevância do setor cultural no Brasil
Centro de Arte e Mídia (ZKM), em Karlsruhe, Alemanha, congrega o Museu de Arte Nova, o Museu da Mídia, o Instituto de Mídias de Imagem, o Instituto de Música e Acústica e o Instituto de Mídia, Educação e Economia
Centro de Arte e Mídia (ZKM), em Karlsruhe, Alemanha, congrega o Museu de Arte Nova, o Museu da Mídia, o Instituto de Mídias de Imagem, o Instituto de Música e Acústica e o Instituto de Mídia, Educação e Economia (KTG Karlsruhe Tourismus GmbH, Foto Mende)

Eleonora Santa Rosa*
Praticamente no escuro, em fim de tarde chuvoso, à luz de velas, em função da ineficiência da Companhia Energética de Minas Gerais, a antiga gloriosa Cemig, que nas duas últimas semanas tem  me obrigado a lidar com o improviso de escrever o artigo semanal na penumbra, sem internet, à beira de um apagão sem fim.
Pegando a deixa, assim como o apagão cultural brasileiro em curso bem antes dos impactos causados pela pandemia que agora nos impõe mudanças radicais de pensamento e comportamento. Lendo a respeito das providências que estão sendo adotadas em países europeus e mesmo no EUA, principalmente em cidades referenciais no campo das Artes e da Cultura como Nova York, San Francisco, Los Angeles, dentre outras capitais americanas distintas em tamanho e  características, o alento e o alívio pelo conjunto de medidas emergenciais que começam a alcançar esse segmento de enorme importância, não só por sua dimensão simbólica, inigualável, como econômica, inconteste.
Cabe aqui a referência a um trecho da carta recentemente enviada a lideranças do congresso americano, assinada por representantes de 22 cidades em todo o país, sob a liderança do prefeito San Francisco: “São as artes que tornam cada uma de nossas comunidades únicas. E são as artes que ajudarão as nossas comunidades a sobreviver e prosperar economicamente.”
Empregando milhões, mobilizando extensa e variada cadeia produtiva de lastro estratégico, merece atenção especial por sua capacidade de absorção de mão de obra, baixo custo de investimento (multiplica-se muito na Cultura e na Arte com muito pouco), alta capacidade de adaptação, mobilização e atratividade, e, principalmente, por seu papel crucial na  formação da identidade, na coesão, no senso de comunidade, no legado civilizatório.
Os impactos da Covid-19 começam a ser mensurados, mesmo que ainda de forma irregular e parcial, por vários países. Merece, nesse sentido, todos os aplausos e desejo de êxito a iniciativa proposta pela Argentina de um trabalho colaborativo entre o bloco de países que integram o Mercosul Cultural, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID; a Secretaria-Geral Ibero-Americana - SEGIB; a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, e a Organização dos Estados Ibero-americanos de Educação, Ciência e Cultura – OEI, com o intuito de medir as consequências da pandemia nas indústrias culturais da região, passo fundamental para a elaboração de políticas e estratégias adequadas à realidade e às necessidades de cada país membro.
Importa notar que já há números levantados, ainda que estimados, no universo da Cultura e das Artes, na Alemanha, França, Espanha, Portugal e Inglaterra, e que as medidas empreendidas por todos para a mitigação da crise tiveram como base uma forte injeção de recursos públicos, por meio de programas e fundos emergenciais.
As maiores somas foram direcionadas às instituições de médio e grande porte, principalmente museus, além de trabalhadores da arte e profissionais envolvidos no campo das indústrias criativas. Não são suficientes, por certo, para o atendimento de todas as demandas, mas indicam a real preocupação e o efetivo compromisso dos líderes desses países na proposição de instrumentos de subsídio e de proteção ao emprego, de orçamentos adicionais e outros investimentos para atenuação dos cenários de desestruturação.
Por mobilizar multidões e trabalhar com expressivo número de espectadores em shows, festivais, exposições, espetáculos cênicos, dentre outros, esse segmento enfrentará, por tempo indeterminado, restrições, adiamentos e cancelamentos, com uma grave situação de desarticulação setorial, fechamento de instituições de pequeno e médio portes e comprometimento da atual forma de funcionamento e operação de museus, espaços de arte e circuitos de exibição.
Nesse sentido, a situação brasileira é bastante complexa e desafiadora, uma vez que muito antes dos efeitos da pandemia o quadro já era sério pela ausência de percepção, entendimento e consideração das potencialidades e relevância do setor por parte das diversas esferas governamentais.
A Cultura, no Brasil, atravessa um de seus piores momentos, seja pela representação dos titulares dos órgãos oficiais responsáveis, seja pela ausência de formulação e implantação de políticas públicas de fomento e preservação e de mecanismos de financiamento e suporte à produção, circulação, distribuição e acesso aos bens culturais.
Massacrada diuturnamente por um governo central que a elegeu como adversária a ser dizimada e censurada, ressente-se, também, em outras instâncias da administração, do desconhecimento de seu lugar estratégico no âmbito das políticas de desenvolvimento sustentável, de geração de empregos e divisas. Não se trata aqui de discurso vazio, mas de dados estatísticos consistentes que comprovam o real peso das indústrias culturais, da economia criativa, da economia da cultura na composição do PIB Nacional.
No próximo artigo, vamos às questões cruciais na discussão dos museus no Brasil, perspectivas, desafios e impasses.
 A luz acaba de voltar!

Ex-secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais, foi diretora do Centro de Estudos Históricos e Culturais da Fundação João Pinheiro, ex-diretora de captação e Marketing da Fundação Clóvis Salgado e ex-diretora executiva do Museu de Arte do Rio – MAR. Responsável pela primeira fase de concepção e implantação do Circuito Cultural Praça da Liberdade na capital mineira, pela criação do Museu da Cachaça de Salinas e pela concepção e implantação do Plug Minas. Consultora, gestora e estrategista cultural, é diretora do Santa Rosa Bureau Cultural, onde desenvolveu, dirigiu e/ou coordenou a implantação de diversos projetos de relevância nacional como o Museu de Artes e Ofícios em BH, o Museu da Liturgia em Tiradentes, o Projeto de Educação Patrimonial Trem da Vale em Ouro Preto e Mariana, dentre outros. É autora do livro Interstício.

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