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Mostra virtual "Calvário", da Galeria Casa D'Alva, propõe diálogo com o cenário da pandemia


Com imagens da crucificação e da ressurreição de Jesus revisitadas, o artista plástico cearense José Guedes reflete sobre o momento atual e projeta uma reinvenção futura


A palavra “calvário” é historicamente associada à colina em que Jesus Cristo foi crucificado, e referências a ela podem ser encontradas nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Ao longo dos séculos, inúmeras foram as pinturas e esculturas que adotaram este nome por retratarem a cena da crucificação. Aqui no Ceará, o artista plástico José Guedes faz o mesmo agora, em maio de 2020, ao apresentar uma mostra virtual na Galeria Casa D’Alva, que, por meio de suas obras, promove o diálogo entre as dores do passado e do presente e projeta uma reconstrução do futuro da humanidade.
Em isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus, Guedes diz nunca ter produzido tanto quanto nesta fase. “Como acordo cedo, começo a trabalhar com o nascer do sol e quando me dou conta, a lua já nasceu. Estou preparando algumas exposições para as quais fui convidado, mas que por conta da pandemia foram adiadas. Estou adiantando bem os projetos e criando outros. Pesquisando e prospectando. Mantendo a mente ocupada e a produção em dia, o tempo consegue voar amenizando o peso do momento”, relata o artista plástico.
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Salvador Dalí, 160 x 125 cm. Impressão sobre alumínio recortado
Foto: José Guedes
As 20 obras que compõem a mostra “Calvário”, especificamente, ele já vinha trabalhando há alguns meses, mas a ideia de fazer uma exposição surgiu há mais ou menos trinta dias. Assim, reuniu o que já estava feito com outros trabalhos mais recentes, já pensados para compor esse todo. O tempo da concepção à criação de cada obra, como relata, foi bastante variado, podendo durar de uma semana a 15 dias.
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Rafael Sanzio, 240 x 110 cm. Impressão sobre alumínio recortado
Foto: José Guedes
O que inspirou Guedes foi exatamente o cenário atual, em que, segundo ele, vivemos uma situação de retração e sacrifício. “Um momento em que a humanidade vive uma crise de desumanidade. Em que a essência cristã é abnegada por pessoas que se dizem cristãs, sendo às vezes melhor compreendida, por incrível que pareça, por ateus e agnósticos. Nunca o nome de Deus foi tão usado por interesses escusos”, critica.
Técnica
Para elaborar as obras, José Guedes reconstruiu trabalhos de artistas de várias épocas, de Rafael a Salvador Dalí, por meio do ato de amassar. “Primeiro eu escolho uma pintura, desenho ou gravura entre as inúmeras que abordam o momento da crucificação de Cristo e sua ressurreição. Imprimo essa imagem em alta resolução. Em seguida, amasso a imagem e fotografo. Nesse momento, crio uma nova configuração para aquela obra original. Daí essa fotografia passa por um longo processo de tratamento digital até ser impressa numa chapa de alumínio e recortada seguindo os novos limites da imagem amassada. Na parede, a obra transmite a ilusão de ser tridimensional, mas não é. Tal sensação é fruto desse processo de alta tecnologia”, detalha o artista sobre o processo de 18 trabalhos.
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Giambattista Tiepolo, 147 x 123 cm. Impressão sobre alumínio recortado
Foto: José Guedes
Os outros dois foram elaborados com outra técnica, sendo impressos em folha de PVC de 100 x 100 cm. Elas não são recortadas, e sim, emolduradas. “A sensação de que em vez da fotografia é um objeto tridimensional colado se dá por conta da sombra virtual e da extrema nitidez da impressão”, observa Guedes.
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Cornelisz Bloemaert, 100 x 100 cm. Fotografia em PVC
Foto: José Guedes
As obras da exposição fazem parte da série Fênix, cujo título faz alusão à ave mitológica que renasce das cinzas. Por isso, segundo o artista, ao invés de destruir, a ação de amassar significa propiciar uma nova leitura; fazer uma nova construção.
A mensagem é de esperança num futuro melhor e mais humano. Esperando que o nosso calvário não seja em vão. Que depois dessa pandemia, assim como ocorreu com a Peste Bubônica no fim da Idade Média, tenhamos um novo e iluminado renascimento”, defende.
Novo formato
Há seis anos em funcionamento na Capital, a Galeria Casa D’Alva recebe agora a primeira exposição virtual do espaço, que estará disponível a partir do dia 22 de maio, às 19h, nas redes sociais do ambiente. Investir neste novo formato, para Guedes, é se aproximar de algo que há muito tempo é uma realidade, mas que neste período de isolamento provou sua eficiência e mostrou que veio para ficar, sem excluir as experiências físicas.
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Chagall, 160 x 145 cm. Impressão sobre alumínio recortado
Foto: José Guedes
“Não vai substituir a vivência presencial. Museus e galerias vão sempre existir, com suas peculiaridades. A materialidade das obras de arte é intransferível. Assim como a sensação de participar de uma exposição virtual com as comodidades intrínsecas a ela. São coisas bem diferentes”, opina José Guedes.
Vale ressaltar que todas as obras estarão à venda e, para entrega ao comprador, o artista conta com a estrutura da Casa D'Alva física. Cada trabalho em alumínio, de acordo com Guedes, tem tiragem de três, e os preços variam de R$ 10 a 16 mil. Já os trabalhos em PVC tem tiragem de dez e custam R$ 4,5 mil.
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El Greco, 130 x 95 cm. Impressão sobre alumínio recortado
Foto: José Guedes
O investimento, ressalta, é uma forma de incentivar a produção artística, que tanto tem ajudado os confinados a atravessarem este momento. Ele mesmo reconhece a importância que o trabalho dos colegas tem assumido em sua nova rotina. 
“Tenho lido, ouvido música, visitado museus, visto filmes, shows e óperas, alem das tarefas domésticas. Como não tenho dons culinários além de fritar ovos, estou me especializando em lavar louça. De exercício, só pilates três vezes por semana, via internet”, partilha.
O compromisso com a cultura, ele acredita, é dever de todos, especialmente das pessoas que apreciam arte e têm condições materiais, assim como dos governantes. “Eles poderiam patrocinar esses criadores comprovadamente tão essenciais, seja comprando seus produtos, ou mesmo bancando diretamente a subsistência daqueles cujo produto é imaterial. Em vários países do mundo isso é feito. Em Berlim, por exemplo, criaram um fundo para ajudar artistas e profissionais independentes por 3 meses, que tem depósitos de até 5 mil euros. A generosidade, nesse caso, é valorização e reconhecimento”, finaliza.
Serviço
Lançamento da exposição “Calvário”, de José Guedes. Nesta sexta-feira, 22 de maio, às 19 horas, na Casa D’Alva Virtual: instagram.com/casadalvavirtual facebook.com/casadalvavirtual.
Diário do Nordeste

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