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O impacto da Covid-19 nas plataformas sociais

Como influenciadores digitais usam publicidade ilícita em transmissões de 'lives'
Menores de idade podem ficar expostos a conteúdo inadequado em transmissões ao vivo
Menores de idade podem ficar expostos a conteúdo inadequado em transmissões ao vivo (Valter Campanato/Abr)

Caio César do Nascimento Barbosa e Michael César Silva*
O panorama atual ocasionado pela crise do novo coronavírus é sentida em todos os setores. Para diminuir o impacto de uma iminente recessão econômica, fornecedores de produtos e serviços – a maioria com estabelecimentos fechados – precisam se reinventar e remodelar o modus operandi para o cenário atual.
Mudanças bruscas de comportamentos já são presenciadas ao redor do globo nas últimas semanas, como o recente hábito de lavar as mãos com frequência e manter distâncias seguras de outras pessoas. Com o isolamento social, como medida para conter a propagação do vírus, percebe-se aumento exponencial das vendas pelo modelo do e-commerce.
Conforme dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), muitos varejistas registraram aumento de 180% nas vendas de produtos das categorias de alimentos, bebidas, saúde e higiene pessoal desde o dia 12 de março. O modelo do e-commerce, que já se encontrava em ascensão, passa a ser a regra nas relações jurídicas de consumo no atual cenário, demandando uma atuação efetiva dos órgãos de proteção de defesa do consumidor.
Com muitos estabelecimentos migrando para o meio digital e com a maioria das pessoas dentro de casa, torna-se ainda mais necessário investir em marketing digital. Para maior visibilidade, agentes de alta rentabilidade neste meio são os influenciadores digitais, capazes de influenciar seus seguidores (potenciais consumidores) e ditar padrões de consumo.
Contudo, a grande problemática pauta-se na falta de identificação publicitária nos anúncios veiculados pelos mesmos. Tal prática contraria o disposto no art. 36 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que preleciona que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Infelizmente, essa não é a regra atualmente. E a maciça onda de lives na plataforma tampouco contribui para tanto neste atual cenário.
Como forma de distração e entretenimento, inúmeros digital influencers passaram a promover as lives – recurso do Instagram que permite vídeos ao vivo – nas recentes semanas. Porém, é percebido em grande parte das lives, promovidas por influenciadores digitais (e celebridades), a promoção de anúncios sem a devida e clara identificação publicitária, de modo a desrespeitar o disposto no CDC, sendo considerada publicidade clandestina. Como o recurso das lives funciona em formato peculiar, em que após a exibição do vídeo ao vivo, este fica disponível por apenas 24 horas, este fator demonstra-se como empecilho para que o Conselho Nacional de Autorregulamentação (Conar) promova julgamento e advertência em tempo hábil.
A plataforma do YouTube também conta, nos tempos atuais, com diversas lives promovidas por artistas da música, como forma de promover “shows em casa” neste período de distanciamento social. A diferença aqui é que no YouTube, após a transmissão ao vivo, as lives ficam armazenadas em vídeo e podem ser assistidas a qualquer momento.
Muitos dessas lives no YouTube são patrocinadas por fornecedores de bebidas alcoólicas – tal como acontece em shows e eventos musicais –, devendo a atenção do artista ser redobrada, vez que o público que acompanha em casa pode ser menor de idade. Não só isso, mas o consumo de bebidas de modo desenfreado deve ser desestimulado por tais artistas. Afinal, nestas últimas semanas de isolamento social, percebeu-se aumento significativo no consumo de bebidas alcoólicas em casa. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, recomendou que países limitem a venda de tais produtos, que, por consequência já aumentaram os números de violência doméstica, bem como se especula grande aumentos em futuros casos relacionados a depressão e alcoolismo.
Apesar de a não identificação publicitária ser tema recorrente de julgados do Conar, não existem precedentes em relação a tais práticas ilícitas nas lives, de modo que a reiteração de tais práticas é frequente por parte dos influenciadores. Contudo, após dezenas de denúncias de consumidores, o Conar abriu representação contra live do cantor Gusttavo Lima – junto da patrocinadora Ambev –, que apresentava publicidade irregular de bebidas alcoólicas, com indução do potencial estímulo ao consumo irresponsável, além de não conter restrição a menores de idade.
Ante a tal empecilho, cabe aos seguidores – em sua posição de patente e potencial consumidores – alertar a plataforma do Instagram para que notifique o influenciador digital desta prática ilícita, de modo que o mesmo não reitere seu comportamento. Afinal, tal prática ofende os princípios da boa-fé objetiva, informação, transparência e confiança, e promove um ambiente virtual desigual.
Logo, é fundamental uma atuação consentânea do digital influencer, bem como a devida atenção aos ditames do CDC para que o modelo do e-commerce e os anúncios publicitários promovidos pelos influenciadores em consonância aos preceitos legais continuem como prática bem vista mesmo após esta crise, servindo de estímulo para ampliar os modelos publicitários já existentes.

Caio César do Nascimento Barbosa é graduando em Direito na Dom Helder Escola de Direito. Michael César Silva é graduado, mestre e doutor em Direito e Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), especializado em Direito de Empresa, advogado e professor da Dom Helder Escola de Direito.

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