Pular para o conteúdo principal

Conheça a história do primeiro Cine Drive-in de Fortaleza, que funcionou de 1978 a 1983

Às vésperas da inauguração do Drive-in Colosso Open Vibes, em Fortaleza, na próxima quinta-feira (23), o Verso revela as memórias de quem frequentou o primeiro cinema desse formato na capital cearense


Edisio Junior tinha apenas 10 anos quando testemunhou o nascimento de um sonho. O pai, Edisio Benício Sampaio, conhecia boa parte do Brasil por conta do trabalho como representante comercial. A rotina puxada das viagens daria um tempo em 3 de agosto de 1978. Naquela data, o cearense de família generosa (esposa e cinco filhos) abria as portas do Cine Drive-in Aldeota.

“Ele tinha visão. Gostava de cinema e adorava aqueles filmes com cenas de drive-ins. Outra coisa é que ele gostava muito de carros antigos”. “Era tipo aquela onda do ‘Tempos da Brilhantina?’, pergunto. "Isso, isso mesmo. Essa coisa dos carrões nos drive-in. Isso o inspirou a fazer um aqui”, detalha. Junior hoje tem 52 anos, esposa e duas crianças. É o terceiro dentre os irmãos. Quarenta e dois anos depois da inauguração, defende que a memória não é lá das melhores. No entanto, a volta ao tempo é repleta de momentos mágicos. Afinal, não é todo mundo que na infância a família teve um cinema. O Cine Drive-in Aldeota tinha capacidade em torno de 300 carros. O terreno era alugado. O primeiro filme exibido lhe é desconhecido, mas as chances de ter sido “Tubarão” (1975) são enormes, divide.

Cearense gosta de novidade

Outro cearense cujo a família é sinônimo de cinema resgata a localização exata do drive-in. “Indo pela Pontes Vieira (oeste-leste), passou a Assembleia, era logo no primeiro quarteirão do lado direito. Muito próximo de onde hoje é a Assembleia Legislativa”, resgata o cineasta Wolney Oliveira. Ele lembra que o cine era a grande novidade, coisa importada dos EUA. Como cearense adora uma, a dificuldade no começo para conseguir assistir a filmes por lá era grande.

“Comecei a frequentar em 1979. Nessa época, eu tinha uma Brasília azul e logicamente ia com a minha namorada. Me lembro que a gente saía e tinha um setor de gastronomia em que comprava uma cerveja, um cachorro-quente e tal, depois voltava para o carro, mas era uma programação que tinha muito a ver com casais. Algumas pessoas saíam de dentro do carro, até porque ficar em uma cadeira não é muito cômodo durante duas horas/uma hora e meia. Às vezes, a gente saía, ficava no capô, as pessoas conversavam também”, detalha. Eram duas sessões à noite. Em 22 de janeiro de 1982, o roteiro de cinema do Diário do Nordeste informava que o filme “Muito Além do Jardim” (1979) seria exibido às 19h30 e 21h30. Um baita programa, diga-se. Sábados e domingos tinham programação especial para a criançada. Era quando Edisio Junior ia mais para o drive-in.

A sessão infantil começava por volta das 18h. Geralmente eram desenhos de “Tom e Jerry”, “Pernalonga” e “Flinstones”. Se o filme principal daquele sábado, voltado para os mais velhos, fosse censura livre, o pai o deixava ficar um pouco mais. Foi assim que ele viu “Guerra Nas Estrelas” (1977) pela primeira vez.

A memória de Edisio casa bem com o cenário descrito por Wolney. “As crianças não ficavam dentro do carro. Era comum elas ficarem no capô. Três, quatro sentadas com olho arregalado na tela. Nessa sessão, tinha um patrocínio e eram distribuídos refrigerantes. Tinha uma lanchonete com bomboniere que era arrendada. Para fazer o pedido, o motorista acendia a meia luz dos carros. O garçom ia lá e fazia o pedido”.

Acelerando na pista

Outro frequentador a desvendar histórias do primeiro Cine Drive-in do Ceará é Renan Damasceno. O depoimento explica que a experiência com aquele formato de exibição ampliava a magia e diversão dos cinemas comuns. “Pô, foi impactante aquela tela gigante. Você sintonizar o áudio no som do carro e ainda levar umas cadeiras de praia, ou namorar que era o grande barato na época das férias”.

Quando se fala no drive-in, Renan lembra imediatamente da sessão com “Mad Max” (1979). Segundo ele, é marcante ter visto um de seus filmes preferidos naquele lugar. Nessa ponte entre passado e presente, ele ajudou a reportagem a colher depoimentos de dois amigos da época. 

O primeiro é Valdenir Maia, que também estava na noite em que o clássico dirigido por George Miller foi exibido. “Saí, liguei o carro e me senti o próprio Mad Max. Saí cantando pneu, lembro demais. Ele foi lançado em 79, mas ele demorou a chegar. Acho que era 1981. Diferente de hoje, lançava lá fora e não chegava no outro dia aqui”. Outro amigo da época a dar um relato do que viveu no drive-in é Eduardo Gouveia. “Fomos ver aquele filme, 'Os sete gatinhos'. Aí entrou um ‘Tetéu”, aquele fusquinha da polícia militar. Daí, foi menino correndo de bicicleta pra todo lado”, se diverte Gouveia. 

Não era só o "Tetéu" da PM que estava de olho na diversão da criançada. A família tradicional cearense também marcava colado. Adisio Junior explica que o pai ficou à frente do drive-in até 1983. O desgaste tinha uma razão, a série de reclamações que o dono do estabelecimento tinha que enfrentar.

“Naquela época, existia a censura. Você obrigatoriamente tinha que exibir filmes nacionais e as pornochanchadas estavam em alta. Meu pai recebia muita denúncia. Nos prédios vizinhos, a meninada dava um jeito de ouvir a transmissão via rádio e via o filme com binóculos. Era uma confusão”, relembra.

Renascimento

Wolney Oliveira reflete que a decadência desse modelo de consumir cinema também reflete as alterações urbanas da Capital. Some a chegada dos multiplex nos shoppings, além de o público ter outras opções de acesso a filmes. Entretanto, o diretor do Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema avalia que a pandemia pode reviver a era dos drive-ins.

O próximo Cine Ceará será entre os dias 28 de novembro e 4 de dezembro. Vai ser especial, pois se trata da 30° edição. É o evento cultural mais longevo do Estado e acontece por 29 anos seguidos. Quem diria, a magia do “drive-in” pode fazer parte dessa história. “Além da realização no Cineteatro São Luiz, claro, conforme as orientações das autoridades sanitárias, nossa ideia também é fazer em um drive-in”, estipula Wolney.

Em maio último, o Cine PE, organizado em Recife, anunciou que o festival terá algumas exibições abertas, no velho modelo “autocine”, igualmente seguindo as regras de segurança. A capital pernambucana também faz parte da jornada cinematográfica de Edisio Benício Sampaio. O filho fala do pai que infelizmente já não está entre nós hoje. “Papai foi pioneiro no Nordeste. Antes de Fortaleza, ele abriu um no Aeroclube de Recife. Se chamava Autocine Aeroclube. Somos do Ceará, mas morávamos lá. Lembro que fez sucesso, mas ele queria voltar”, conta o filho.

Legado

Outra contribuição à época, argumenta Edisio, foi a inovação tecnológica criada pelo pai. Ele patenteou a ideia de transmitir o áudio para os carros. Antes disso, para ouvir o som do filme, o espectador contava apenas com uma pequena caixa de som fixada na lateral do carro. A coluna “É”, do saudoso jornalista Neno Cavalcante noticiou o feito em 19 de agosto de 1983.

“O proprietário do Cine Drive in de Fortaleza. Sr. 'Edilson Sampaio', acaba de receber patente de cinco anos para uso do sistema AM e FM em cinemas de estacionamento. Parte agora, numa segunda etapa, para cobrar ‘royalties’ dos EUA. Se vingar, será a primeira vez que aquele País pagará royalties ao Brasil”, escreveu.

“Gostava de ver a fila de carros que se formava na Pontes Vieira até a Desembargador Moreira. Eu ia contando os carros. Ele sempre teve essa paixão pelo cinema, hoje é falecido. Ficaram a origem e o pioneirismo, que será aproveitada nesse novo drive-in (Colosso Open Vibes)”, defende o filho orgulhoso.

“E você vai?”, perguntei. “Claro, vou levar minha família. Cara, você tem que ir. É bem legal, o som hoje deve ser cada vez melhor”.

Modelo atual 

Legenda: Drive-in Colosso Open Vibes resgata formato como opção de entretenimento em meio à pandemia
Foto: Divulgação

Para resgatar essa relíquia da sétima arte e promover entretenimento em meio à pandemia do novo coronavírus com segurança, o drive-in Colosso Open Vibes estreia na quinta-feira (23) com programação diária e diversa que atende a todos os públicos. 

Além de filmes direcionados tanto para crianças quanto para adultos, a programação é composta por aulões fitness, shows infantis e apresentações de stand-up comedy. 

Neste primeiro fim de semana de funcionamento, há a exibição de filmes como “A Vida é Bela”e “Como Treinar Seu Dragão”. Aurineide Camurupim, Luana do Crato, Wagner Ancelmo e Roberto Rizzo apresentam show de stand-up comedy. 

O espaço, adaptado para receber o público, conta com uma área de mais de 150 metros quadrados. A tela para a exibição fica localizada em um ponto alto, para melhor visualização. Já o áudio pode ser acessado por meio de uma frequência no rádio do carro, tais medidas evitam o contato entre os espectadores de famílias diferentes. 

A recomendação, portanto, é que todos os passageiros do veículo sejam da mesma casa e o automóvel deve ter capacidade máxima para cinco pessoas. O espaço tem capacidade para receber cerca de 170 carros, com distanciamento seguro. 

A área do drive-in conta também com opções de restaurantes, com combos promocionais de pizza, hambúrguer, cachorro-quente, pipoca e mais. 

Diário do Nordeste 

Comentários