Pular para o conteúdo principal

O caso do cachorro Sansão e o debate sobre a Ética e Direito dos Animais

É necessário trabalhar para a consolidação de uma nova ética ambiental que aproxime a dignidade dos animais
Cachorro Sansão teve as pernas decepadas ao pular o muro do vizinho
Cachorro Sansão teve as pernas decepadas ao pular o muro do vizinho (Reprodução Instagram @hospitalveterinarioarnaldo)

Pedro Henrique Moreira da Silva*
No dia 6 de julho de 2020, um cachorro da raça Pitbull, chamado Sansão, teve suas patas traseiras arrancadas a golpes de foice, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar da brutalidade do ato, o animal foi atendido por especialistas e já se encontra estável. Todavia, a repercussão da notícia evidencia a urgência das discussões acerca da Ética e do Direito dos Animais não humanos.
Dessa forma, a visão a respeito dos animais precisa ser reformulada, de modo a deixarem de ser vistos como objetos disponíveis para o ser humano. Impera conferir aos não humanos a imagem de dignidade, que passa pelo rompimento da percepção dos demais como os ?Outros?. Só assim será viabilizada a cultura do respeito, que deve se estender a todos os seres vivos ?" afinal, preservar o bem-estar animal constrói e reflete a própria ética humana.
A lógica cartesiana, que segrega os homens pensantes das demais criaturas, é um ponto a ser superado, na medida em que os debates acerca da senciência [capacidade de ter percepções conscientes do que lhe acontece e rodeia] já demonstraram que os estímulos dos não humanos em muito se assemelham ao dos humanos. Darwin já traria noções nesse sentido ao descrever que também os animais podem ser mais ou menos ranzinzas e introvertidos entre si. Na mesma medida, também desenvolvem comportamentos altruístas ?" a exemplo de adoções espontâneas.
Esse debate foi fortalecido a partir de 1972, quando a Ética Ambiental despontou, tímida, na Convenção de Estocolmo. Seu amadurecimento, na perspectiva animal, ocorreria com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proposta por Georges Heuse. A partir dali, conforme pontua Schopenhauer, foi possível perceber que a inclinação moral pelo respeito frente aos animais está ligada à própria dignidade do caráter.
Essa questão é reforçada pelo papa Francisco, na Laudato si, quando expõe que o olhar para os irmãos animais deve ser tomado por um viés fraterno. Assim, ao classificar os não humanos como ?irmãos?, o papa confere sacralidade a todas as formas de vida, sendo inadmissível o sofrimento infligido a qualquer ser.
É nesse contexto que as legislações de todo o mundo têm sofrido significativas mudanças, no sentido de abarcar a proteção, segurança e bem-estar dos não humanos. O próprio Código Civil alemão dispõe que ?os animais não são coisas. Eles são protegidos por estatutos especiais.? França e Suíça também já legislaram no sentido de que a senciência basta para justificar o impedimento do sofrimento, dor e tortura dos animais.
No Brasil, a Lei 9.605, em seu artigo 32, dispõe que é crime ?praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos?, com pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Todavia, em que pese o esforço de ativistas e parlamentares, ainda não existe uma legislação federal especial para tratar acerca da proteção dos não humanos.
Assim, se por um lado é importante construir mobilizações que influenciem no processo legislativo e em um eventual enrijecimento das penalizações em caso de maus-tratos, por outro é necessário trabalhar para a consolidação de uma nova ética ambiental e animal que aproxime a dignidade dos animais. É urgente garantir que a projeção do ?eu mesmo? ocorra na figura dos não humanos, vez que são seres dotados de emoções, percepções e são capazes de reagir aos estímulos positivos e negativos.
A soberba da racionalidade humana deve ser superada para dar vida, voz e bem-estar a todos os seres da Pacha Mama (Mãe Terra). É pela harmonia e, sobretudo, pelo respeito que a dignidade socioambiental será alcançada.

*Pedro Henrique Moreira da Silva é mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Dom Helder escola de Direito e advogado no Sette & Moreira Advocacia e Consultoria

Comentários