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Livro analisa as transformações do direito econômico a partir da Constituição de 1988

Com lançamento virtual nesta quinta-feira, obra busca fomentar o debate sobre o tema
Direitos sociais e ambientais têm sido dilapidados por interesses econômicos
Direitos sociais e ambientais têm sido dilapidados por interesses econômicos (Wilson Dias/ABr)

Pablo Pires Fernandes
Cada sociedade ou nação é regida por modelos econômicos distintos que, em maior ou menor medida, são determinados por suas Constituições. No caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece princípios de ordem econômica bastante amplas, com garantias sociais, trabalhistas, ambientais e diretrizes próprias. No entanto, os postulados constitucionais, a respeito da economia – assim como tantos outros - poucas vezes são colocados em prática.
A discussão sobre a efetividade das leis da Carta magna de 1988 na realidade socioeconômica do Brasil é o tema do livro Constituição econômica bloqueada - impasses e alternativas, dos professores e pesquisadores Giovani Clark, Leonardo Corrêa e Samuel Nascimento. O trabalho reúne quatro ensaios que revisam as muitas questões que envolvem o direito econômico sob a luz do mestre mineiro Washington Albino Peluso de Souza (1917-2011), introdutor da discussão sobre o direito econômico no país.
A obra, publicada pela Editora da Universidade Federal do Piauí (Edufpi), será lançada nesta quinta-feira (28), às 19h30, virtualmente, com um debate com os três autores no canal do YouTube da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE).
Um dos grandes defensores do legado de Washington Albino e coautor do livro, o professor de direito da UFMG e da PUC Minas Giovani Clark explica que o livro pretende fomentar discussões e reflexões a respeito do direito econômico, enfatizando “os porquês de a ordem econômica e financeira constitucionais não se refletirem na realidade socioeconômica do Brasil”.
“Esse é um debate importante e fundamental para o direito econômico, já que todo o direito econômico parte da ordem econômica e financeira. Quando você não debate a efetividade da constituição econômica, logicamente o direito econômico fica à mercê de interpretações ao gosto dos poderosos”, pontua Clark.
O capítulo inicial aborda as diversas modalidades de concepção sobre o capitalismo, inclusive a abertura prevista na Carta brasileira de 1988, que não exclui outros modos de produção, mas garante uma democracia econômica. Faz revisão teórica e histórica de conceitos e aponta para a redução dos limites previstos em lei, diante do avanço das políticas neoliberais, inclusive nas questões legais.
A ideologia constitucional, que não se confunde com ideologias políticas, é o tema do segundo capítulo de Constituição econômica bloqueada. Como explica o professor a “ideologia constitucional é um mescla de ditames constitucionais das visões políticas distintas das forças existentes nas constituintes”. Assim, os autores se dedicam a revisar os conceitos e os contextos históricos nos quais o direito econômico foi sedimentado na história do Brasil.
Os trâmites legais e políticos para se tornar efetivas as premissas constitucionais do direito econômicos são o foco do terceiro artigo da obra, que analisa, com visão histórica, os bloqueios e as forças políticas que atuam sobre os direitos constitucionais e suas alterações ao longo do tempo.
No quarto capítulo, os autores resgatam o trabalho de Washington Albino e trazem uma questão absolutamente atual: o desenvolvimentismo versus o neoliberalismo. O embate histórico, no qual, segundo os autores, a perspectiva neoliberal tem ganhado terreno, privilegia as questões jurídicas, embora se dedique a esmiuçar os contextos histórico-políticos. E é extremamente saudável e oportuno o momento em que a questão vem à tona, já que o atual governo passa por um dilema entre a visão neoliberal do Ministério da Economia e outros setores do governo, mais ligados ao desenvolvimentismo nacional.
Os preceitos teóricos do professor Washington Albino, que norteiam a obra, constituída mormente na década de1970, ainda merecem leitura e respaldo de maior grandeza. Para Clark, o autor mineiro “construiu toda uma doutrina, uma série de categorias jurídicas, bem como influenciou a jurisprudência brasileira”. Acrescenta, ainda, que a obra de Albino é à frente do seu tempo e se mantém atual. O livro, portanto, busca suprir uma importante lacuna a respeito do direito econômico e suas relações com a Constituição de 1988.
ENTREVISTA COM GIOVANI CLARK:
Como podemos definir o direito econômico escrito na Constituição de 1988?
A Constituição Econômica de 1988, sobretudo os seus comandos centrais, dos artigos 170 a 192, estabeleceu parâmetros do modelo produtivo que, no nosso caso, é plural e admitiu vários sistemas de produção, como capitalista, o cooperado e outros. Infelizmente, o texto constitucional vem sendo bloqueado e mutilado. Bloqueado por forças econômicas e políticas, que atuam na realidade socioeconômica e ambiental brasileira. E mutilado, por uma série de emendas constitucionais que descaracterizam o texto originário. O texto constitucional de 1988, apesar do modelo produtivo plural, admite o sistema capitalista, com uma série de limitações e imposições. Na realidade, no primeiro capítulo, por exemplo, nós trabalhamos a questão de qual tipo de capitalismo que o texto condicional de 1988 admite pra nós.
Como vê a visão do governo atual a respeito da questão?
Antes da pandemia, no neoliberalismo de austeridade, as políticas econômicas vinham centradas, basicamente em favor do mercado e do sistema financeiro em detrimento dos direitos sociais e da efetividade da constituição econômica. Nós estamos num momento excepcional, que é um momento da pandemia, e já temos indicativas que, quando saírmos desse momento de pandemia, haverá um retorno, até com mais dureza de medidas político-econômicas, do neoliberalismo de austeridade.
E quais são as consequências dessa política?
Especificamente dentro do direito econômico, o que nós percebemos claramente é que essas medidas de política econômica, algumas delas através de emenda constitucional - como a emenda constitucional 95/2016 - elas descaracterizam e bloqueiam o texto constitucional de 1988. O que bloqueia na realidade? É a efetivação dos direitos sociais, dos direitos individuais, da dignidade humana e até mesmo inviabiliza o pequeno, o microprodutor na nossa realidade social.

CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA BLOQUEADA - IMPASSES E ALTERNATIVAS
De Giovani Clark, Leonardo Corrêa e Samuel Nascimento
Editora da Universidade Federal do Piauí (Edufpi)
98 páginas
LANÇAMENTO COM OS AUTORES:Quinta-feira (27), às 19h30
Canal do YouTube da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE).
Acesso gratuito aqui.

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