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Comer e amar, 'simplesmente divinos'!

 Papa desmente a heresia de que os prazeres sexual e de comer deveriam ser evitados


'Terra futura' apresenta três conversas, de 2018 a 2020, entre Petrini e o papa, sobre vários assuntos e eventos importantes, como ecologia integral, Sínodo da Amazônia e pandemia
'Terra futura' apresenta três conversas, de 2018 a 2020, entre Petrini e o papa, sobre vários assuntos e eventos importantes, como ecologia integral, Sínodo da Amazônia e pandemia (Junno Arocho Esteves/CNS)

Élio Gasda*

Comer e amar são sublimes. Prazerosos! As vezes vinculamos prazer ao desejo, "desejo proibido". O desejo, assim como o prazer, está ligado a alguma satisfação emocional, racional, física.

Comer não pode ser algo apenas racionalizado, não somos seres apenas biológicos. O alimento, como o sexo, está ligado ao emocional. Comer sem prazer não é saudável e sexo sem prazer é estupro, "não tem graça".

Ao declarar que "o prazer vem diretamente de Deus, não é católico, não é cristão, nem nada parecido, é simplesmente divino", papa Francisco reafirma o Catecismo. Não há nada de polêmico em sua fala. "O prazer de comer serve para garantir que, ao comer, se tenha boa saúde, assim como o prazer sexual existe para tornar mais belo o amor e garantir a continuação da espécie", completa Francisco.

A afirmação de Francisco consta no livro-entrevista Terrafutura, que reúne diálogos sobre ecologia integral entre ele e Carlo Petrini, fundador do Slow Food. A declaração do pontífice está relacionada a argumentação de Petrini de que a "a Igreja Católica sempre mortificou o prazer, como se fosse algo a ser evitado". O papa esclarece que isso foi no passado uma "má interpretação da mensagem cristã ... uma moral carola, um moralismo que não tem sentido". Comer e sexo garantem a sobrevivência humana: "Deus os fez belíssimos, cheios de prazer. A rigidez pelagiana recusou o prazer de forma preconceituosa, causando danos enormes que se sentem com força ainda hoje", disse.

A sexualidade é da ordem do dom e do amor. Segundo o Catecismo (§369, §370) a origem da pessoa se encontra em Deus. Essa imagem e semelhança de Deus eleva sua condição como ser humano sexuado único no mundo. Sua sexualidade é única! "É fonte de alegria e de prazer: O próprio Criador... estabeleceu que nesta função (procriação) os esposos sentissem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Os casais não fazem nada de mal em procurar este prazer e em gozá-lo. Eles acolhem o que o Criador lhes destinou (§2362).

A ética da sexualidade parte do respeito pela dignidade humana e do cuidado com o outro. A sexualidade não pode ser reduzida à realidade biológica e genital em vista da procriação da espécie. Nela está presente a pessoa toda: amor, desejo, afeto, ternura dos gestos, espiritualidade. A sexualidade não se resume ao ato sexual ou a comportamentos esporádicos. Ela é uma realidade dinâmica presente do nascimento à morte da pessoa. É uma potência decisiva no desenvolvimento da personalidade.

A ética tem uma finalidade positiva em função da bondade da sexualidade no sentido de orientar os indivíduos a encarnarem em sua sexualidade a ternura, o amor, o respeito, a fidelidade, etc. A sexualidade é da ordem da relação, da busca do outro. A ética visa proteger a sexualidade das ameaças como o estupro, a pedofilia e a pornografia. Isso exige o cuidado do respeito ao próprio corpo/sexo e ao sexo/corpo do outro.

As relações sexuais são morais quando são recíprocas e comprometidas, contribuindo no desenvolvimento integral dos envolvidos. A sexualidade deve fluir espontaneamente das profundezas da pessoa, como expressão autêntica do eu e contribuir em seu processo de humanização. É expressão do desejo da felicidade do outro.

Relações sexuais moralmente aceitáveis devem conter três elementos: intimidade, paixão e compromisso. Do contrário, pode levar à frustração e conduzir ao desrespeito. O amor sempre será o critério no momento de avaliar um comportamento afetivo-sexual. Toda forma de sexualidade deve ser integrada no amorAs relações são imorais quando abusam, são violentas, exploradoras e prejudicam o desenvolvimento humano.

Comer, rezar e amar com prazer! O cristão não vive só da oração. Alimentar a carne não é pecado, é vital. O sexo é o maior vínculo de afeto e amor que Deus nos deu, e por isso deve ser recheado de alegria e de prazer. "Desfruta da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugitiva vã existência que Deus te concede debaixo do sol. Essa é a tua parte na vida, o prêmio do labor a que te entregas debaixo do sol" (Ecl. 9,9).

 "Amor é prosa, sexo é poesia" (Arnaldo Jabor).

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: 'Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e economia' (Paulinas, 2016)

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