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Negacionismo e teorias da conspiração comprometem o combate à pandemia

Pesquisa da ONG Avaaz feita pelo Ibope mostrou que um em cada quatro brasileiros resistem à ideia de tomar o imunizante quando ele for registrado
Um homem usando uma máscara facial recortada participa de um protesto de movimentos contra o uso de máscaras, negacionistas da covid-19, anti-5G e antivacinação, em 5 de setembro de 2020, em Roma
Um homem usando uma máscara facial recortada participa de um protesto de movimentos contra o uso de máscaras, negacionistas da covid-19, anti-5G e antivacinação, em 5 de setembro de 2020, em Roma (Vincenzo PINTO/AFP)

O diretor-executivo do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde, Michael Ryan, disse nessa segunda-feira (7) que informações distorcidas podem comprometer o combate à pandemia de Covid-19. E que também é papel dos governos oferecer informações baseadas em evidências.
"Se a população recebe informações manipuladas, distorcidas, infelizmente, isso pode ter um efeito negativo. É o caso em diversos países em todo mundo. Muitas pessoas querem apresentar soluções simplificadas, por isso solicitamos transparência e sinceridade, é isso que consolida a confiança na comunidade", afirmou, após ser questionado sobre as mensagens passadas pelo governo brasileiro à população durante a pandemia, como a frequente presença do presidente Jair Bolsonaro em eventos públicos sem o uso de máscara e as declarações a favor do uso da hidroxicloroquina, remédio que não tem eficácia comprovada no combate à Covid-19.
"O Brasil é um país muito grande. Os governos dos estados estão muito envolvidos em dar recomendações à comunidade, assim como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Os cidadãos em diversos países, assim como no Brasil, são capazes de buscar informações de várias fontes e, certamente, acho que é importante. É bom estar em uma posição onde você pode ter confiança absoluta no governo, mas também é importante que as pessoas busquem várias fontes de informação", falou Ryan.
Pesquisa da ONG Avaaz feita pelo Ibope mostrou que um em cada quatro brasileiros resistem à ideia de tomar o imunizante quando ele for registrado. Entre as razões da recusa, estão dúvidas quanto à segurança e eficácia do imunizante e fake news propagadas por redes sociais. Reportagem do Estadão mostrou que redes bolsonaristas impulsionam teorias e propagam falsas alegações sobre a segurança e os efeitos de vacinas, por exemplo.
No início da manhã dessa segunda-feira, nas comemorações do Dia da Independência, Bolsonaro surgiu sem máscara, acompanhado de crianças, filhas de autoridades convidadas, e cumprimentou apoiadores. Algumas crianças usavam máscara, mas outras não.
'Esta não será a última pandemia'
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, também alertou que a pandemia de Covid-19 "não será a última" que a humanidade precisará enfrentar. "Essa não será a última pandemia. A história nos ensina que surtos e pandemias são um fato da vida. Porém quando a próxima vier, o mundo deve estar pronto, mais do que estava desta vez", disse.
Ele ainda chamou a atenção para o fato de que muitos países negligenciaram seus sistemas básicos de saúde pública e, portanto, precisarão prepará-los "como um investimento em um futuro mais saudável e seguro".
"Nossa mensagem hoje é que os países continuem investindo em saúde pública e saúde primária durante a batalha da Covid-19. Vários países que investiram estão respondendo a pandemia de uma maneira melhor. Investimento em saúde pública e saúde primária é essencial", reforçou.
Teorias da conspiração
Ao mesmo tempo em que a OMS da necessidade de conter informações distorcidas sobre a pandemia, notícias falsas baseadas nas chamadas teorias da conspiração parecem ganhar força mundo afora.
Há quem diga que as máscaras são permeáveis demais para deter o vírus ou, pelo contrário, podem impedir a respiração. Essas e outras teorias sobre as máscaras continuam sendo espalhadas pelos que são contrários ao seu uso, apesar de já terem sido desmentidas por muitos cientistas há meses.
  • Falta de oxigênio e muito CO2
A falsa ideia de uma "hipóxia"  (deficiência de oxigênio) é uma das mais comuns. Algumas postagens nas redes sociais até afirmam que as máscaras podem matar. No entanto, como muitos médicos explicaram, "a máscara não é um circuito fechado, ela permite que o oxigênio passe", ressalta, por exemplo, o médico Yves Coppieters, epidemiologista e professor de saúde pública da Universidade Livre de Bruxelas.
Em contrapartida, ela pode dar uma "sensação de desconforto, que dá a impressão de asfixia, mas é psicológico. No caso de uma pessoa com boa saúde, (a máscara) não a impede de realizar as atividades normais do dia a dia", acrescenta.
A essa crença se soma a teoria muito popular de que com ela você respira seu próprio CO2. Porém, "como não é um circuito fechado", "quase todo o ar expirado escapa", explica Shane Shapera, diretor do programa de doenças pulmonares do hospital público de Toronto, no Canadá.
  • Propensão à cultura de bactérias e fungos
"As infecções fúngicas graves são raras", explica Françoise Dromer, chefe da unidade de Micologia Molecular e do Centro de Referência Nacional para Micoses Invasivas e Antifúngicas do Instituto Pasteur, na França. "Nas condições de uso recomendadas, é impossível que fungos se desenvolvam dentro de uma máscara."
"Para que uma máscara apodreça, ela precisa, por exemplo, ser deixada úmida em uma sala cheia de mofo ou com um adubo, durante semanas", acrescenta Dromer, lembrando que o apetrecho deve ser trocado a cada quatro horas.
Como "o ser humano tem bactérias normais na boca e nas narinas", "quando falamos expelimos gotículas de saliva e pode ser que haja fungos e bactérias que fiquem na máscara", diz Daniel Pahua, professor de saúde pública da Universidade Nacional Autônoma do México. Mas "a maioria desses agentes não causa doenças, porque são bactérias que nós (já) temos na boca" normalmente, ressalta.
  • Máscaras deixam o vírus passar
A teoria de que as máscaras deixam os vírus passarem porque os buracos do tecido são maiores do que os vírus também é muito popular. Em primeiro lugar, "o tamanho da partícula viral não é relevante. É o tamanho das gotículas que contêm o vírus que conta", e as máscaras as filtram com folga, explica o médico Julian Leibowitz, professor de imunologia microbiana na Texas A&M University.
Por outro lado, a máscara cirúrgica não funciona como um coador, ela filtra de acordo com outros princípios físicos, como o efeito da inércia e da captura eletrostática, de forma a conter ao máximo as gotículas, mesmo as pequenas, segundo Jean-Michel Courty, professor de física na Universidade de Sorbonne em Paris e pesquisador do laboratório Kastler Brossel.
Além disso, "as máscaras não precisam ser 100% eficazes para desempenhar um papel significativo na redução da epidemia", aponta o virologista Benjamin Neuman, da Texas A&M University.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) as considera uma medida eficaz para limitar a propagação, junto com o distanciamento físico e a lavagem das mãos. E mais ainda quando são utilizadas em massa, já que seus usuários protegem uns aos outros.

AFP/Agência Estado/Dom Total

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