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Santos do pau oco

O tempo dirá se uma árvore é boa ou má, à medida que formos conhecendo seus frutos
A deputada federal Flordelis (PSD) fala sobre a morte de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, em 25 de junho de 2019
A deputada federal Flordelis (PSD) fala sobre a morte de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, em 25 de junho de 2019 (Fernando Frazão Ag.Brasil)

Tânia da Silva Mayer*
"Santo do pau oco", essa expressão é conhecida e utilizada por nós desde tempos longínquos. Utilizada, habitualmente, para designar pessoas dissimuladas ou fingidas, ela quer indicar um descompasso existente entre o que é aparente numa pessoas e o que ela realmente é em seu interior, em suas intenções. Conforme retoma a canção brasileira, "as aparências enganam".
No auge do ciclo do ouro, no Brasil do século 18, para fugir da taxação do ouro e de outras pedras preciosas, o que as pesquisas históricas indicam, parece ter havido a prática de contrabando desses artigos entre os senhores e até mesmo entre as pessoas escravizadas. E para que o ouro extraído não fosse taxado e sobre ele não fosse paga a quantia de um quinto, ele era colocado, ainda em pó, no interior de imagens dos santos de devoção católica, religião predominante na época.
Com relação a essa prática, faltam registros históricos que confirmem sua veracidade. No entanto, ainda se pode apreciar em alguns museus do país as imagens dos santos ocos, que devem ter sido esculpidos para a devoção de quem, desde a colonização, vem dando um jeitinho (luso) brasileiro para praticar a corrupção. É importante ressaltar que antes do transporte do ouro no interior dos santos, as imagens devem ter sido utilizadas para transporte de dinheiro falso de Lisboa para o Brasil.
Mas em Portugal é conhecida outra expressão que pode conferir significado semelhante a essa que nós utilizamos hoje e que pode sugerir que houve apenas uma adaptação linguística na colônia. "Santo de pau carunchoso" ou "santo carcomido por caruncho" são expressões que indicam justamente um aspecto de corrupção, de podridão. A princípio, a podridão de uma imagem de madeira, mas logo a de alguém que é em si mesmo uma degradação, embora possa não parecer.
No Brasil do século 21 nós ficamos estarrecidos com a quantidade de "santos do pau oco", que se utilizam da religião como uma nuvem para encobrirem crimes horrendos. Fora ou dentro do cristianismo, essas pessoas se apresentam detentoras de uma moral ilibada, mas que esconde desde abusos sexuais, passando por desvios de dinheiro da fé, chegando até a assassinatos. Essas pessoas podem figurar desde os altos escalões das igrejas, por ocuparem posto como os de bispos, padres, pastores e pastoras, até as camadas mais básicas nas quais estão os fiéis mais piedosos e bem intencionados, de modo que não é preciso citar nomes porque, uma vez descobertos, viralizam como notícia que desabona a fé cristã, tornando-a não digna de credibilidade.
Por isso, é preciso retomar sempre e uma vez mais, de maneira incansável, os ensinamentos de Jesus. E conforme ele nos ensina, é preciso deixar joio e trigo crescerem, para então arrancar o primeiro e jogá-lo ao fogo. O tempo dirá se uma árvore é boa ou má, à medida que formos conhecendo seus frutos. E para não cairmos na corrupção moral, é preciso abraçar a radicalidade evangélica que apresenta o amor e a renúncia a qualquer status como a possibilidade única da nossa conformação a Jesus e ao Reino de Deus, maneira humanizadora do ser santo ou santa nas igrejas, na sociedade e no mundo.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com

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