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Sobre Anjos e Demônios

Há muito tempo, o homem vem se debatendo sobre questões religiosas e espirituais. E, movido por tais razões, impérios se ergueram e desabaram; igrejas se fortaleceram, enfraqueceram e se dilaceraram; conflitos armados foram e continuam sendo travados; guerras ideológicas se estenderam e ainda se estendem ao derredor do mundo; as intolerâncias, o fanatismo e as incompreensões acirram ainda mais as diferenças entre as pessoas...
Mas o problema nunca foi a religião ou a crença, a fé ou o ceticismo, o ateísmo ou o fervor religioso, Deus ou o diabo. O problema sempre foi o homem em si, a sua essência, pois é ela que, cedo ou tarde, vem à tona e manifesta a sua verdadeira face.
É nisso que penso enquanto acompanho pela mídia o caso envolvendo o homicídio do pastor Anderson, esposo da Deputada Flordelis. Também penso nisso ao lembrar do escândalo envolvendo o espírita João de Deus ou os casos de abuso sexual cometidos por membros da Igreja Católica, e tantos outros de que se tem notícia.
Vamos nos abstrair da religião e da fé. Foquemos naquilo que unem as histórias desses personagens que usam o nome de Deus, que se arvoram no sagrado, que discursam em nome do bem para profanar a honra, a integridade física e psicológica, o pudor, a decência, a esperança e a boa-fé de tantas pessoas, enganando-as, manipulando-as, aproveitando-se de suas dores e fraquezas, causando-lhe sequelas, muitas vezes, irreversíveis.
Os anjos e os demônios, o sacro e o profano estão em cada um de nós, e o que nos difere um do outro é o que fazemos com isso, como lidamos com os nossos instintos e com os nossos defeitos da forma mais sábia possível.
Entoar cânticos. Ler salmos. Encantar multidões levando a palavra de Deus. Edificar lindas igrejas, templos e altares. Realizar obras de caridade. Adotar dezenas de filhos... Como dizia Santo Agostinho: “foi o orgulho que transformou anjos em demônios, mas é a humildade que faz de homens anjos”.
Flordelis, João de Deus e muitos outros, valendo-se da fragilidade das pessoas que os procuravam, profanaram o sagrado, demonizaram os anjos, endiabraram Deus, desonraram o que prometiam e diziam crer e fazer, agiram em desconformidade com o que pregavam.
Que Deus se apiede da alma dessas pessoas e de outros que agiram e agem de igual modo ou de forma semelhante, porque Deus é amor, é misericórdia, é compreensão, é perdão.
Que não esqueçamos disso, pois é tão somente no homem que está intolerância, o preconceito, a indecência, a desonestidade, o despudor... E usar a religião para isso é o que pode existir de pior.
Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça

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