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Você atrai aquilo que...

 Terrores cotidianos que nos perseguem

Alguma força estranha faz com que a gente atraia justamente aquilo que não suporta
Alguma força estranha faz com que a gente atraia justamente aquilo que não suporta (Unsplash/Dan-Cristian Padure?)

Fernando Fabbrini*

Volta e meia alguém comenta a chamada "lei da atração", teoria interessante que afirma que a gente atrai exatamente aquilo em que crê. Ou seja: se você acredita em Papai Noel, o bom velhinho descerá pela chaminé e botará um presente junto à sua lareira. (Desde que você providencie chaminé e lareira no calorão do próximo dezembro). Entretanto, ando bastante interessado no inverso. Acredito que alguma força estranha faz com que a gente atraia justamente aquilo que não suporta ?" para nos testar ou só de sacanagem.

Um amigo tem neura de fios de cabelos, resíduos suspeitos e objetos não identificados na sua refeição. Claro que ninguém gosta desses condimentos no prato. Porém, o caso dele é de exagero, um pavor exacerbado, uma fobia digna de psicanalista. Imaginemos, então, que esse indivíduo esteja num jantar chiquérrimo no Palácio de Buckingham, 100 convidados. Lá na cabeceira, a rainha sente uma coceirinha na nuca, esfrega o local e continua sua conversa com Boris Johnson. Por conta do gesto, um fiapo de cabelo real prateado sairá voando e pousará... adivinha onde, pessoal? No prato do meu amigo! Lei da atração! E, se entre os ingredientes utilizados no preparo da feijoada anual que ele frequenta existir uma única e minúscula pedrinha, esta terá 99,9% de possibilidades de cair no prato dele ?" que a morderá, destruindo a resina novinha do molar.  

Outra amiga me revelou que em dias de caos doméstico é assombrada pela Whitney Houston esgoelando Gratest love of all, ?" música que odeia. Síndico reclamando no telefone; banheiro entupido; filho atrasado no dever de casa; faxineira faltou; pneu furado do carro: se ela ligar o rádio, lá estará a canção odiada. Um inferno.

Também sou vítima recorrente da atração. Com frequência cada vez mais alarmante, perseguem-me duas coisas que abomino: pessoas que fazem barulho no cinema e o odor do perfume feminino Lou Lou. Já me conformei. Ambos compõem meu carma, a lista de pecados que devo pagar e superar nesta existência.

Por conta da atração, a adocicada, penetrante, inconfundível e nauseante fragrância Lou Lou aborda-me propositadamente em locais fechados, de modo a impedir minha fuga. Elevadores velhos e lentos são áreas habituais. Embarco no térreo rumo ao 20º andar e, na sobreloja, adentra uma senhora envolta em névoa pesada de Lou Lou, postando-se exatamente diante de minhas narinas. De duas, uma: ou pratico apneia tentando bater o recorde olímpico ou aperto o botão de emergência e saio correndo. A prova de fogo nessa modalidade teve lugar numa viagem internacional pavorosa. Foram nada menos de 12 horas confinado entre a janelinha e uma socialite que se banhara em Lou Lou. E eu ali, sonhando com uma providencial despressurização da aeronave que faria máscaras de oxigênio caírem automaticamente dos compartimentos acima de nossas poltronas.

Atrações assim são mesmo imprevistas e perigosas. Se você também tem as suas, nem me conte. Isso pega.

*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O Tempo.

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