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Deus não é solidão

“Ide e fazei discípulos meus todos os povos” (Mt 28,19)

Dom Jeová Elias*

Neste domingo, celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, que é a festa da comunidade, festa de um Deus que é comunhão e não solidão. De um Deus que é diversidade na unidade: que é Pai, é Filho e é Espírito Santo. Possui uma natureza apenas, a divina, mas em três pessoas distintas. Trata-se de um mistério importante da nossa fé cristã, revelado por Jesus Cristo. Mistério que pode ser acessado pela nossa razão, mas não pode ser captado totalmente pela mente humana, pois a Trindade é, essencialmente, infinita e eterna.

Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), mas de um Deus comunhão, um Deus que é relação e não isolamento, porque é amor, e o amor não pode se isolar, não pode ser contido, deve ser comunicado. 

O Evangelho desta Solenidade é a conclusão de São Mateus. Localiza a cena num monte, na Galileia, região onde Jesus iniciara seu ministério; lugar de gente sofrida e marginalizada. Para lá se dirigem os onze discípulos de Jesus e dele recebem o mandato imperativo: ide! É uma ordem para saírem, para fazerem discípulos, para se relacionarem e se descobrirem como pessoas nas relações com os outros. Eles devem ensinar, mas também aprender no contato com os outros.

Francisco, nosso querido Papa, tem pedido reiteradamente para sermos uma Igreja em saída, para irmos, como ordenou Jesus, e estarmos em contato com as pessoas nas periferias geográficas e existenciais, tocando o rosto de quem sofre e nos misturando com os outros, pois faz bem sair de si. O pedido do Papa é para que não fiquemos em compasso de espera nos nossos templos, nem nos restrinjamos a uma pastoral de sacristia.

A outra ordem dada por Jesus é batizar (v. 19b). O Batismo é o sacramento que nos insere no mistério da Santíssima Trindade, na vida da comunidade, na saída do eu para o nós. Pelo Batismo, somos mergulhados no mistério de um Deus comunhão.

A festa da Santíssima Trindade nos ensina algumas lições: ensina a romper com a solidão, a romper com o egoísmo, a sair de si e ir ao encontro dos outros, a se relacionar. A nossa cultura liberal pós-moderna é marcada profundamente pelo individualismo, pela defesa da ideia de que é cada um por si e Deus por todos. Uma música que viralizou em 2008, na internet, repetia o refrão: “Ado, aado, cada um no seu quadrado”, em parte, manifesta essa tentação. Mas a Santíssima Trindade nos ensina que não é assim: é todos juntos, cada um saindo do seu quadrado e se preocupando com a outra pessoa. Ou vivemos juntos, dando-nos as mãos numa ajuda mútua, ou afundaremos juntos. É necessário viver em comunidade e valorizar a vida na comunidade. 

Apesar da desvalorização atual e da desconfiança nas instituições comunitárias - sindicatos, ONGs, religiões, partidos políticos - devemos, como cristãos, valorizar a comunidade. A pandemia que nos assola, mostra que somos interdependentes, que devemos ter o cuidado com a saúde individual, mas também respeitar as medidas sanitárias preventivas, visando a saúde coletiva. Somos corresponsáveis uns pelos outros.

A finalidade da nossa existência é ser feliz, já na terra e se plenificando na eternidade. Mas é ilusório querer ser feliz sozinho. A música Momento Novo, cantada alegremente nas nossas comunidades, afirma: “Deus chama a gente pra um momento novo, de caminhar junto com seu povo; é hora de transformar o que não dá mais, sozinho, isolado, ninguém é capaz”. Não é possível ser feliz sozinho! Somente é possível ser feliz com os outros. Como ser feliz enquanto outros sofrem e são infelizes? Sendo a Santíssima Trindade uma comunidade de amor, esse amor que recebemos de Deus é o que nos torna capazes de querer a felicidade dos outros também. 

É desafiador viver em comunidade, onde as pessoas são ímpares, carregam suas particularidades, seus valores e também suas debilidades. É arriscado empenhar-se em favor da vida digna para todas as pessoas, sobretudo as mais fragilizadas. O Evangelho constata a dúvida de alguns dos discípulos, como expressão do medo do risco de se comprometer, mais do que da falta de fé.  

Outra dificuldade é viver a unidade em um mundo plural: de muitas ideias, de muitas crenças, de muitas etnias, de muitos interesses díspares. A Trindade também é uma escola que ensina a viver a unidade na diversidade. As três pessoas são distintas, contudo, a distinção não provoca divisão e competição, mas colaboração. Nenhuma das três pessoas da Santíssima Trindade é mais importante, mais santa, ou mais poderosa do que as outras. O diferente não deve ser visto como uma ameaça para mim, mas como uma possibilidade de enriquecimento. O diferente deve me complementar e ajudar a crescer.

Mesmo que seja uma tarefa árdua superar o individualismo, viver em comunidade e valorizar a diversidade, não é impossível, pois Jesus garante caminhar conosco todos os dias, até ao fim do mundo.  Ele assegura a sua presença constante que nos encoraja e nos fortalece para viver a vida em comunidade. 

Valorizemos a vida em comunidade. Contribuamos na construção de comunidades que lutem pela justiça, que sejam fraternas e solidárias. Amemos as nossas famílias e amemos as nossas comunidades de fé.

*Bispo Diocesano de Goiás


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