Pular para o conteúdo principal

O Reino é o mundo impregnado pelo amor de Deus (Mc 4, 26-34)

“O reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra” (Mc 4, 26)

Dom Jeová Elias*

O Evangelho deste XI domingo do Tempo Comum apresenta duas parábolas para falar do Reino de Deus. Contém a ideia comum da força intrínseca e misteriosa presente na natureza e duas perspectivas: do homem que lança a semente e da própria semente, que na sua pequenez contém uma força invisível. 

O 4º capítulo do Evangelho segundo São Marcos contém 3 parábolas, duas das quais apresentadas hoje. A outra, contida nos versículos anteriores, é a do semeador. Essas parábolas visam ajudar a superar a crise vivida pelos primeiros cristãos, após o entusiasmo inicial. Havia forte rejeição ao projeto de Deus proposto por Jesus Cristo. Alguns não perseveravam na caminhada em vista disto. Não entendiam o porquê da rejeição a Jesus Cristo, se Ele era o Messias, o Filho de Deus. Para Marcos, é necessário começar de novo (cf. Mc 4, 1; 1, 1; 8, 31).

As parábolas são narrativas construídas por Jesus, partindo da vida do povo simples, daquilo que é conhecido e familiar, para aproximar as pessoas dos valores do Reino de Deus. Diferente dos rabinos da época, que partiam da explicação dos textos bíblicos, para depois fazer comparações. Estes se movem no horizonte da lei; Jesus parte da vida para manifestar o Reino de Deus que irrompe na história. Os três primeiros Evangelhos contêm cerca de 41 parábolas (cf. Jeremias, J., Teologia do Novo Testamento, p. 52). 

Jesus não utiliza fábulas no seu ensinamento nem alegorias. Sua linguagem é simples e cativante, toca o coração e os ouvidos do povo simples, que se sente envolvido pelos valores do Reino. O Reino é o mundo impregnado pelo amor de Deus com seu valor transformador. É o mundo impregnado pela justiça, pela fraternidade, pela paz... por todas as coisas boas.

O Reino de Deus é como um homem, diz o Evangelho, diferente da tradução do Lecionário que diz alguém, que lança a semente na terra. Isto é, o Reino de Deus precisa da colaboração humana, que é muito importante, mesmo que ela seja incapaz de resolver tudo. A pessoa tem que lançar a semente! Fazê-la germinar e frutificar não depende de si, mas de tantos outros fatores. Contudo se não lançarmos a semente, ela não produzirá. A Igreja tem a missão, recebida de Jesus, de anunciar o Reino de Deus, de estabelecê-lo e de ser seu sinal na terra, enquanto anseia a sua consumação plena na glória (cf. Lumen Gentium n. 6).

Como a semente traz um potencial invisível, algumas vezes também não percebemos os valores do Reino que se desenvolvem entre nós. Aparentemente, os valores do Reino de Deus podem ser imperceptíveis e insignificantes diante do destaque dado aos contravalores. Mas isso é um sinal de que o ordinário da vida ainda são os valores. 

O Reino de Deus possui uma força vital que irrompe na nossa história, mas requer nossa participação humana. A semente do Reino já foi lançada por Jesus Cristo e nós continuamos a sua semeadura. Ele manifestou o Reino aos homens com sua palavra, suas obras e sua presença e o comprovou com os sinais que realizava (cf. Lc 11, 20; Mt 12, 28).  

No Evangelho de hoje aprendemos a superar a visão espetaculosa da vida. O fundamental não é o tamanho, mas a enorme força transformadora, com a fecundidade presente na semente, nas coisas pequenas. Somos convidados a superar essa visão dentro da nossa fé cristã: uma religião de multidões, do barulho, do show! De uma Igreja autorreferencial, como insistentemente nos tem advertido o querido Papa Francisco. Ir aos pequenos, valorizar as coisas pequenas, ir às periferias, símbolo da presença dos pequenos. A força do Evangelho não reside no espetáculo. 

A parábola do pequeno grão de mostarda que se transforma numa árvore frondosa e serve de abrigo para os pássaros, ilustra o contraste entre o início da pregação de Jesus na Galileia e o seu resultado depois da ressurreição, tornando-se proposta universal: as aves do céu são as nações que acolhem o projeto semeado por Jesus, vivem os seus valores e usufruem dos seus benefícios. 

Como os primeiros cristãos foram incentivados pelas duas parábolas deste Evangelho a superar a crise diante da rejeição do projeto de Jesus, também o Papa Francisco, no segundo capítulo da Evangelii Gaudium, constata a crise atual do compromisso comunitário e nos convida a agir, dentro do que o Senhor espera de nós, mas sabendo esperar, não querendo dominar o ritmo da vida. “A ânsia hodierna de chegar a resultados imediatos faz com que os agentes de pastorais não tolerem facilmente o que signifique alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz” (n. 82).

Desejo que a alegria pela presença do Reino de Deus entre nós inunde a sua vida e a vida da sua família e nos ajude a ter forças para construirmos o mundo conforme o projeto de Jesus.

*Bispo do Goiás-GO

Comentários