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Processo de beatificação de brasileiro Dom Helder Câmara avança em Roma

Processo do bispo avança e muitos estão na expectativa para o anúncio da sua beatificação 

Processo do bispo brasileiro avança em Roma e muitos estão na expectativa para o anúncio da sua beatificação


Causa de beatificação de Dom Helder é avaliada pelo Vaticano desde 2019 (Celam)

Mirticeli Medeiros

Sínodo sobre a sinodalidade em andamento, e a pergunta: Dom Helder Câmara será beatificado no meio de uma das maiores consultas eclesiais públicas da história? Francisco pode elevar aos altares, em breve, o bispo brasileiro cuja trajetória ele mesmo disse admirar?

Conhecendo a forma como o pontífice atua, é provável. Lembram da Irmã Dulce? Ela foi canonizada na abertura do Sínodo da Amazônia, em outubro de 2019. E com esse reconhecimento, Francisco, na época, deu ênfase a um dos maiores lemas do seu pontificado: “uma igreja pobre para os pobres”. Deixou claro, com isso, em que direção deveria ser conduzida aquela assembleia especial.

Francisco não se comunica somente através de seus discursos improvisados e da forma peculiar com a qual se apresenta como pontífice romano. Ele tem uma capacidade única de ‘encarnar’ as próprias palavras. Acredita na força dos símbolos e do exemplo. E é certo que suas referências condizem não somente com seu estilo de governo, mas com o modelo de Igreja com o qual ele sonha.

É claro que o pontífice deverá seguir os protocolos próprios do órgão competente pelos processos de canonização. Ele não pretende dar ‘um jeitinho’ para que Dom Helder seja beatificado. Longe disso. Mas pode recorrer às leis canônicas que estão a seu favor.

Porém, como líder da Igreja Católica, ele pode, se considerar oportuno, declarar alguém “beato (ou santo) por aclamação”, que na linguagem técnica se chama beatificação/canonização equipolente. Nessa modalidade, quando se atesta que existe um culto consolidado à memória da pessoa, o santo padre pode dispensar o milagre atribuído à intercessão desse venerável. Por vias normais, segundo as regras da Santa Sé, a confirmação de uma cura inexplicável pela ciência é uma condição necessária para reconhecer a santidade de alguém. Francisco aplicou essa exceção algumas vezes. Só para citar alguns casos, ele fez isso com o jesuíta José de Anchieta, copatrono do Brasil, e o Papa João 23, em 2014.

Caso tudo seja feito em tempo hábil, sem declaração de equipolência, seria muito do agrado de Francisco (sem dúvida!) transformar em santo alguém que incorporou os ideais de uma igreja sinodal. Os escritos de Dom Helder estão aí para comprovar. Sua vida também. É por isso que a beatificação em si, principalmente pensando nesse sínodo que está em curso, é algo que pode ser cogitado sem medo.

E quem o difama é porque quer ofuscar sua importância para a Igreja do Brasil num período conturbado da história do país. Mais que combater a ditadura, ele foi porta-voz dos menos favorecidos. O ‘São Francisco de Assis da Terra de Santa Cruz’, com alguns fazem questão de chamá-lo. Generoso e de choro fácil, se emocionava até com as marchinhas de carnaval que eram entoadas pelas ruas de Recife. A imagem na qual ele aparece visivelmente emocionado, captada por uma tevê francesa, que circulou este ano pela internet, mostra alguém que entoa louvores a Deus ao som do frevo de bloco ‘Bom São Sebastião’. Bem Dom Helder. Aqueles poucos segundos de gravação o representam muito bem.

Dom Helder foi um dos grandes protagonistas do Concílio Vaticano II. E era muito respeitado por Paulo VI - que o nomeou bispo - e também por João Paulo II. Em sua visita ao Brasil, em 1980, o papa Wojtyla, ao cumprimentá-lo, o chamou de “irmão dos pobres e meu irmão”. E, ao contrário do que se pensa, os religiosos se admiravam mutuamente.

O bispo dos pobres, cuja luta em defesa dos direitos humanos foi interpretada como ‘comunismo’ pelos apoiadores do regime militar, não era mal visto por Roma, ao contrário do que se diz. Ele nunca recebeu nenhum tipo de advertência por parte da Santa Sé.

Desde 2019, está a cargo de Roma decidir sobre o futuro daquele que, para muitos, já é considerado um santo. Inclusive foi a Santa Sé a solicitar que todos os escritos, incluindo cartas privadas e programas de rádio que o prelado nordestino realizava, fossem encaminhados para a Congregação para a Causa dos Santo. Em agosto deste ano, o vice-postulador da causa, frei Jociel Gomes, confirmou que todo o material foi enviado por ‘malote diplomático’ através da Nunciatura Apostólica do Brasil.

Agora é aguardar. Se ele for beatificado, mais um motivo para que este sínodo entre para a lista de evento históricos. Será, verdadeiramente, uma assembleia com “cheiro de Concílio”. E ter Dom Helder como “seu patrono”, se assim o Papa o quiser, para muitos será muito bem-vindo..

Dom Total

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.

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