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O suicídio do Pe. Geraldo Oliveira

Pe. Geovane Saraiva*

Eu, Pe. Geovane Saraiva, quando estudante de Teologia, há quase 40 anos, já naquele tempo, num esforço de organização do lado financeiro, passei a “pagar” o INSS; foram 35 anos, mês a mês, ininterruptos. Lembrei-me de que, quando padre recém-ordenado, eu estava na Cúria, quando esta tinha suas funções no subsolo da Catedral Metropolitana de Fortaleza, para pagar o INSS no banco, e lá se encontrava o Pe. Jessé Sousa Oliveira, de saudosa memória, que, percebendo o meu compromisso de pagamento, disse para deixar com ele. Obrigado, Pe. Jessé! Há pouco mais de três anos, portanto, venho recebendo a justa aposentadoria, a qual considero razoável, em torno de 4 salários. Colegas ou pessoas podem fazer “pequenos” comentários, até com ironia: “Ele vive bem!”.

A vida continua, os problemas de saúde vão crescentemente surgindo, sem esquecer os demais obstáculos e embaraços inerentes à existência. Guardemos o pensamento de Dom Helder: “Quando os problemas parecem ser absurdos, os desafios são apaixonantes”, que nos envolve num duelante e persistente combate, o qual deve levar uma compreensão compassiva e condescendente da durabilidade ou subsistência humana.

Cabe aqui, pois, com o suicídio do Pe. Geraldo Oliveira, sacerdote aposentado, idoso, com 50 anos de ordenação e 77 de idade, o reconhecimento do valor e da importância de cada vida como um benefício ou presente, mas a partir das marcas de resistência, incontestáveis, como nossos cactos – ou mandacarus – nordestinos, vegetações de uma importância ímpar e providencial, ao produzir até flores raras, também na resistência às adversidades do tempo, sem nos esquecermos das lições deixadas por Dom Helder e tantas pessoas paradigmáticas e dadivosas, na disposição de resistir aos contratempos da vida, na afável ternura de alma e na clemência e indulgência de coração.

Pe. Geraldo, querendo dignidade, não resistiu aos reveses da vida, não aceitando viver no ostracismo, esbulhado, isolado, interditado e acotovelado, numa vida sombria, inútil e sem sentido. Da parte do bispo e dos colegas sacerdotes, pedia clemência e indulgência, como se olha para a mãe Terra e por ela nutre um amor desmedido e muito verdadeiro, na consciência de encontrar o alimento da sua própria realização, na vontade humana a se conjugar com vontade divina, no compartilhamento de bens e dons, além dos bens materiais.

No espírito da mesma clemência e indulgência divinas, como não ficarmos de coração compungido, pesaroso e entristecido, diante de inúmeros acontecimentos, carregados pelos evidentes sinais de morte, sobretudo no suicídio do Pe. Geraldo Oliveira, na cidade de Surubim-PE, em 1º de fevereiro de 2022? Que saibamos agradecer os ventos, examinar o céu pela manhã, ao meio-dia, à tarde e à noite, numa oração de súplica e ação de graças, na mais elevada sinceridade para com Deus, pela vida de tantos irmãos, não esquecendo os sacerdotes idosos, afastando-os do ostracismo.

Oportunas são as palavras de Dom Milton Kenan, bispo de Barretos-SP: “Por que há padres cometendo suicídio? Por que há padres e bispos que já sepultaram a vocação? Porque não encontraram alguém para se sentar com eles, para ouvi-los; porque não encontraram alguém que os olhasse sem julgá-los. Se deixarmos para mais tarde a decisão de romper com essa lógica, continuarão a multiplicar os casos, como o do Padre Geraldo, que, depois de 50 anos de sacerdócio, procurou a dignidade na morte por conta própria. Como bispo da Igreja, obrigado Pe. Geraldo pelo seu ministério!”.

Pe. Olegário Melo, da diocese de Cametá-PA, entre muitos colegas sacerdotes, igualmente, se manifestou, sendo solidário: “O suicídio do Pe. Geraldo, o último padre condenado a morrer tragicamente, foi em consequência desse tipo de ações malignas no presbitério: não aceitação da pessoa do outro, só porque já é idoso, ultrapassado... Muito triste e repugnante! Deveria ser o contrário: muito respeito, muito carinho e muito cuidado! Lamentavelmente, muitos não pensam dessa forma... Rezemos, pois, pela nossa verdadeira conversão, a fim de que sejamos instrumentos de fraternidade, perdão, respeito e amor aos padres idosos” (…).

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

Comentários

  1. Obrigado, Pe. Geovane, pela sensibilidade e compaixão. Alargemos o olhar! Abs

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