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O bispo das favelas

 Alvim Aran*

“O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza a vontade de Deus” Helder Câmara

“A vida do Dom Helder é como uma mina de ouro que precisa ser sempre e cada vez mais explorada” Geovane Saraiva

O termo favela, por parte da ideia burguesa, sempre se remete a um lugar conflitivo e violento. No entanto, quem vive nessa realidade tem um modo próprio de enxergar o mundo, pois são nas favelas que as pessoas aprendem a ver e ter compaixão, a se colocar no lugar do outro pela mesma realidade de necessidades, faltas e carências. Deus, ao se fazer carne, escolhe uma favela para habitar (Mt 2, 1), e o Verbo se fez favelado para nos ensinar. 

Ao falarmos em favela, falamos de toda a massa dos excluídos existências, falamos do povo de Deus que sofre de diferentes formas (Sejam espiritualmente ou materialmente), sejam as mulheres vítimas do machismo estrutural de nossa sociedade patriarcal burguesa, ou o racismo, homofobia, aporofobia, o abandono de crianças e idosos, a intolerância religiosa, o descaso com as comunidades indígenas, etc. Todos se enquadram na favela, dizemos, sem medo de errar, que as comunidades periféricas são, nas palavras dos Racionais e Exalta Samba, mães que sempre estão de braços abertos para acolher as pessoas que precisam morar ali. 

Acolher as pessoas é um ato de amor que Jesus veio nos ensinar durante três anos de catequese. E até hoje temos dificuldade para colocar em prática a lógica de Jesus, uma fé capaz de nos libertar de nossas misérias, sejam físicas e espirituais, uma fé capaz de nos mostrar o sentido do amor e acolher a todos como acontece nas favelas. Com isso, depois de Jesus, vieram diversos seguidores que mostraram o sentido do cristianismo, e aqui falaremos de Helder Câmara, o bispo da favela, um santo de nossos dias.

Helder foi bispo de Olinda e Recife, e participou de diversos movimentos em prol dos pobres e oprimidos, lutando pelo direito da favela de ter vida. O Brasil naquele tempo, assim como hoje foi e é comandado por uma pequena minoria que mantem o monopólio de toda terra produtiva e os meios de produção. Restando ao povo trabalhar não para viver, mas sobreviver (Gasolina a oito reais o litro, ir trabalhar para comprar gasolina para poder ir trabalhar), isto é, se manter com energia para o serviço, mas sem direito ao lazer e cultura, eis o capitalismo resumido.

Diante dessa realidade, Helder, no papel de bispo, emprestou a voz da igreja (Bispo e padres) para denunciar essas misérias e mostrar o Cristo crucificado nas pessoas e que a miséria na qual se encontravam não era, nunca foi, a vontade de Deus. Muito pelo contrário, o Reino que Jesus anunciou é uma sociedade sem classes, onde todos viverão em harmonia, uma sociedade onde impera a justiça e a paz. 

Em um mundo de injustiças, falar em direito e justiça pode ser considerado loucura e até subversão, então que seja subversão, pois Helder não se importou com isso. A radicalidade em denunciar aquilo que oprime é um ato de amor, chamemos de amor subversivo, pois como disse Júlio Lancelloti numa homilia: “Amar o opressor é tirar das mãos dele a tirania”, doutro modo, é lutar contra o sistema opressor, e no nosso papel de cristão é nosso dever ser essa voz profética, essa voz do amor, que luta em prol do bem, que busca corrigir aqueles que oprimem (Is 1)

Essa correção precisa de exortações e lutas, ou seja, não vem fácil, no entanto para Deus nada é impossível, então se levantou, cheio do Espirito Santo, o santo rebelde, Helder Câmara. Esse lutou e inspirou muitos outros a lutar contra as ditaduras, contra os poderes terrenos, afirmou, Helder, veementemente que o dia que o cristianismo deixasse de lutar por um reino de justiça e paz, não seria mais cristianismo. Helder foi perseguido pelos militares e a elite brasileira latifundiária, mas o profeta de verdade sempre é perseguido, então, sim, ele foi verdadeiro profeta de Jesus Cristo, exímio seguidor da palavra viva que transforma. 

A palavra transformou Helder de tal modo que esse entrou de alma e coração nas lutas sociais, percebeu que o abismo entre ricos e pobres crescia mais ainda. Lutou em prol dos povos, e hoje em dia é considerado, pelo estado de Pernambuco, o patrono dos direitos humanos.  

Lutar pelos direitos humanos é um dever de todos, ainda mais para nós cristãos. Lutar para que as pessoas tenham acesso a coisas básicas que todo ser humano deve ter, um sistema de saúde de melhor qualidade, boa educação, lazer e cultura, direito de ir e vir, etc. O salmista diz que “o Senhor é meu pastor e nada me faltará”, e denunciou Helder Câmara, “eu olho o meu povo e falta é tudo”. Então, esse buscou de forma esplêndida uma forma de acabar com essa falta durante o regime ditatorial militar. 

Como de costume, podemos observar em nossa sociedade atual que tudo que fala do social ou do direito dos pobre e oprimidos é visto como comunismo, até a defesa do meio ambiente virou pauta de comunista (O verde é o novo vermelho, afirmam alguns), com Helder naquele tempo não foi diferente. Mal sabendo os “cristãos” que lutar por uma sociedade justa, divisão de terras, casa para todos, trabalho bem remunerado, defender a natureza, em suma, colocar os bens em comum de todos para cuidarmos de nossa casa comum é cristianismo.

Cuidar de nossa casa comum é cuidar de nossos irmãos e irmãs também, é lindo dar um prato de comida à um morador de rua, mas é divino procurar saber de onde vem a pobreza, qual a causa daquela situação e lutar para resolve-la. Mas como dito acima, ao dar comida aos pobres, Helder foi chamado de santo, mas quando perguntou de onde vinha a pobreza, chamaram-no de comunista. 

Foi acusado, mas não abaixou a cabeça, o baixinho, empregando o coloquialismo, era invocado de mais, era chave. Viveu, mais que a fé em Jesus, a fé de Jesus (“Nossa Espiritualidade”, de Pedro Casaldaliga). Rompeu com os ricos e poderosos e mostrou que a igreja de Cristo sobrevive pela ação do Espirito Santo, não precisa de poderes terrenos que são corruptíveis. Que o povo de Deus pode se organizar e lutar pelo reino, mas para isso precisa de bons pastores que os ajudem a tomar essa consciência de força, e aprender que “o governo deve temer o povo, e não o povo temer o governo” (Emiliano Zapata)

E Helder foi esse pastor, o povo o buscava, ele era, como dito na música de Anderson Freire, “o espelho que reflete a imagem do senhor”. Então, a partir disso, temos a ideia do Jesus mostrado por Helder. Não um Jesus poderoso, imperialista, mas um Jesus com os pés no chão, isto é, um Jesus que veio para servir e não para ser servido. 

Servir nossos irmãos é dever de todo cristão, pois nisso se baseia o cristianismo, amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo. Um amor que nos leva, assim como Helder Câmara, lutar pelo reino de Deus, pois o verdadeiro amor é dar vida pelo irmão, e lutar para que esse tenha vida. Eis o bispo da favela, eis Helder, aquele que esteve ao lado dos pobres oprimidos, aquele que seguiu Jesus e nos serve de exemplo para lutar pelo povo em prol da construção do reino de Deus. 

Não abaixemos a cabeça, olhemos para Jesus, nosso bom pastor e então seguiremos firmes na caminhada. São muitas as barreiras, mas Deus é maior, e pelas palavras de Helder: “Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes”. Olhemos para Helder, olhemos para Jesus, sejamos cristãos. 

Beato Carlos de Foucauld e Helder Câmara, rogai por nós.

*Aluno de 3º ano de Filosofia, Seminário Maior de Diamantina-MG 

 

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