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As reflexões quaresmais não param

Por Alvim Aran*

Iniciamos nossa quaresma com um desejo de lutar por uma conversão de nossos corações. A conversão é um processo lento que nos leva a refletir sobre todas nossas mazelas como seres humanos. O tempo da quaresma é um tempo propício para essa reflexão que nos leva, num sentido mais profundo, a buscar e meditar sobre as dores de Nosso Senhor Jesus Cristo machucado pelos nossos pecados.

É pela cruz que o homem encontra a redenção dos pecados; é pela cruz que os seres humanos são salvos. Com efeito, Jesus diz que quem quer segui-lo deve renunciar a si mesmo e tomar a cruz sobre si. Mas o que são essas cruzes? São os nossos problemas cotidianos, sejam individuais ou coletivos. Jesus quer, de certo modo, que não desistamos de nós, que não desistamos da humanidade, pois Deus não desiste. A história do antigo testamento é a história de um Deus sempre fiel com um povo infiel.

A nossa infidelidade como cristãos nos torna menos humanos, ou seja, quando nos afastamos das ideias de Jesus deixamos nosso ego falar mais alto e perdemos nossa humanidade, esfriamos nossos corações e não permitimos que as dores dos outros nos comovam. Não damos atenção para nossos irmãos e irmãs que precisam de nossa ajuda, não conseguimos ver a misericórdia de Deus e assim não conseguimos ser misericordiosos. 

Essa misericórdia de Deus é expressamente manifestada neste tempo quaresmal, na cruz de Cristo, e durante esses quarenta dias passados foi-nos possível observar bem o Jesus que fica no deserto depois de ser batizado no Rio Jordão, e depois na semana santa: lava pés, sexta feira da paixão e domingo da ressureição. 

Esses dias são para nós um tempo propício para oração e reflexão pessoal no qual meditamos os fatos da vida de Jesus que nos remete a causa do Reino, isto é, a construção de um mundo melhor para todas e todos, em suma, uma sociedade onde corre leite e mel, a terra prometida, a nova Jerusalém. 

Mas para isso acontecer é preciso nos espelhar em Cristo, ser outro Cristo, aprender com o professor por excelência. De forma muito didática, Jesus, pelo tempo no deserto, nos mostra a importância da oração e contato com Deus, pois é Ele que nos dá a força necessária para continuar a caminhar sem desistir. É no lava pés que Jesus vem nos ensinar o sentido do ser cristão, abaixando e lavando os pés uns dos outros, isto é, servindo uns aos outros mutuamente para melhor harmonia no Reino. E é na cruz o ápice de todo o serviço, onde Jesus ensina que “não existe amor maior que dá a vida pelo irmão”. (Jo 15, 13)

A partir dessas reflexões Jesus nos ensina também que Deus não se afasta de nós, somos nós que nos afastamos dele. E “ele está sempre buscando estar perto de nós, falando conosco no Cristo, vivendo conosco por Ele” (Oração Eucarística V). E “amando o seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1), esse amor que deve guiar a vida do cristão, pois foi por amor que Jesus se deixou ser crucificado para nos ensinar a sermos capazes de viver a radicalidade da cruz na construção do reino de Deus. 

E é em cristo crucificado, na radicalidade da cruz, que encontramos novamente nossa humanidade que perdemos conforme vamos nos afastando de Deus. É olhando para o Cristo chagado que podemos refletir sobre nossas ações que o levaram àquele estado triste, como nos lembra o profeta: “não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito a dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E no entanto era nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele carregava” (Is 53, 2 - 4)

Esse sofrimento que Jesus passou mostrou para nós um novo sentido de reinado, não de forma ditatorial como foram e são as sociedades de sistema político monárquico. Mas o reinado de Cristo consiste no amor doador capaz de transformar pessoas, e assim mudaremos as sociedades para melhor.

Um amor que quebra preconceitos e nos ensina que todos nós estamos sujeitos a errar, o músico diz que “errar não é o fim, diz para mim quem não erra, Jesus foi o único perfeito na terra” (Dexter e Ao Cubo). Isso mesmo, errar não é o fim, todo mundo erra, mas reconhecer que erramos é sabedoria, por isso Deus é fiel e didático, isto é, está sempre mostrando que Ele quer a conversão de nossos corações nos tratando como o pai trata o filho pródigo, a ovelha perdida ou então como a mulher feliz por ter encontrado a moeda desaparecida. 

A nossa conversão é essencial, nosso arrependimento nos leva ao Cristo que, pelo seu sangue, é capaz de selar novamente a aliança, agora nova e eterna. Será que estamos dispostos a seguir essa aliança como indivíduos e enquanto sociedade? Se nossa resposta for sim, precisamos observar algumas atitudes que nos levam a romper essa aliança.

Primeiro nossas atitudes dentro de nossas casas. Nesse tempo de pandemia observamos como somos fracos diante da natureza e do mundo, um vírus microscópico foi capaz de parar o mundo. Mas serviu para refletirmos como está nossa igreja doméstica, isto é, nossa casa cristã. Como nós temos sido igreja anunciadora da palavra de Deus no nosso dia a dia com nossas irmãs e irmãos. 

No papel de cristãos devemos mostrar as pessoas, em nosso conviver diário, o Cristo que buscamos na igreja. Se pregamos um Cristo amoroso, compassivo e misericordioso, temos que ser esse cristo no nosso dia a dia. Como? Tratando melhor nossas irmãs e irmãos e, enquanto sociedade, lutar por uma qualidade de vida melhor para todas e todos. Reflitamos, pois, sobre tudo que possa nos torna menos humanos. Que não promove a vida e, em contrapartida, tudo aquilo que é promovido por uma necro-política, isto é, uma política que exclui alguns para o privilégio de poucos. 

Esse mundo de injustiças que vivemos, embora tenha passado dois mil anos desde que Jesus passou a catequese para nós, é o mesmo que o Mestre de Nazaré lutou contra para estabelecer o Reino de Deus, “onde o rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre” (Banda “As Meninas”). Nessa pandemia tivemos muitos novos milionários, enquanto os pobres se perdiam em meio a miséria. 

Essa miséria que nossa sociedade passa mostra-nos como o povo de Deus se mantém firme na caminhada rumo a terra santa. Diante de tantos problemas ainda conseguimos encontrar pessoas nos rincões da sociedade que rezam e estão em consonância com Jesus e o Reino. Ainda mantêm viva as virtudes teologais: rezando por um futuro melhor (Fé), esperando esse dia chegar de forma ativa na comunidade (esperança) e ajudando uns aos outros (caridade).

Esses três pontos sobre as virtudes teologais nos mostram que o povo quer mudança e que Deus quer nos ajudar, e com isso a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil trouxe um tema muito caro para todas e todos que é “Fala com sabedoria e ensina com amor”, sobre nossa educação e, principalmente, sobre nossa formação cristã que tem impacto em toda sociedade.

Por sermos uma sociedade de onde a religião dominante é o cristianismo deveríamos ter um senso cristão ao falar de educação, pois “iluminada pela Palavra de Deus, a Educação torna-se mais capaz de oferecer um caminho educativo integral que humaniza, promove a vida e estabelece relações de proximidade, justiça e paz” (Dom Walter Jorge Pinto) 

Quatro pontos para trabalharmos a partir do texto de Dom Walter: 

1. Promoção da Vida
2. Relações de proximidade 
3. Justiça 
4. Paz

Quando se fala em promoção da vida deve-se ter em mente que isso é lutar contra toda forma de leis injustas que impedem o desenvolvimento humano. Políticas que barram o homem de se desenvolver, pois como diz o cantor: “Deus criou o universo para vida ser sempre mais”. (PJ e Raiz) E se a vida deve ser sempre mais, é nossa função trabalhar para isso a luz do Evangelho de Jesus. 

E assim entramos nas relações de proximidades, pois “não se pode pensar na vida de cada um sem pensar na vida de todos e de todo planeta, com a qual está profundamente interligada” (Dom Walter Jorge Pinto). À luz da palavra de Deus, toda indiferença deve acabar entre nós, pois rezamos dizendo “Pai nosso”, e se é nosso, não é individual, é coletivo, e isso nos torna irmãos que devem cuidar uns dos outros e de toda terra como nos ensina o Papa Francisco na encíclica “Louvado Sejas”.

E se somos irmãos e deve existir coletividade entre irmãos, falemos, pois, da degradação da terra e divisão desigual, entrando, assim, na justiça. Quantas irmãs e irmãos não tem casa, não tem terra, não tem trabalho, aqueles três “t’s” que Papa Francisco diz (Teto, trabalho e terra), e acrescentaria ainda um outro “T”, a tecnologia. Pois muitas famílias foram prejudicadas por causa da pandemia e não tiveram acesso aos auxílios por falta de tecnologia, sem falar que muitos não conseguiram estudar por falta de internet e recursos. 

Após ser colocado tudo isso, pensamos que é quase impossível falar de paz, no entanto Jesus diz “eu vos dou a paz, eu vos deixo a minha paz”, e nós rezamos na Santa Missa pedindo que o Mestre “não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima vossa igreja” (Missal Romano, Rito da Comunhão). Ou seja, por mais que existem coisas que cooperam para a degradação do mundo, não podemos abaixar a cabeça, devemos lutar sempre, pois a Cruz de Cristo nessa quaresma nos mostrou que, quando pensamos estar no fim, Jesus reaparece triunfante sobre a morte. 

Mas para Ele aparecer triunfante foi preciso abaixar e se render aos poderes dessa terra que acabam com vida, que nos tornam seres individuais, que anula a justiça e acaba com a paz. Para vermos isso tudo é só olhar para o Cristo crucificado, pois é na Via Sacra que é lavado todos os pecados do mundo. E é na mesma via que podemos meditar sobre nossa vida humana. 

Essa meditação, de forma mais intensa na quaresma, não pode parar nesse tempo e deve se estender até final de nossas vidas. Pois temos irmãs e irmãos que ainda são crucificados nos dias atuais pelas políticas de morte imposta pelos ricos e poderosos. E nós, cristãos, devemos meditar essas coisas à luz de Cristo e seu evangelho libertador, falando com sabedoria e ensinando com amor (CF 2022) para buscar a libertação do mundo pela cruz de Jesus. 

*Aluno de 3º ano de Filosofia, Diocese de Guanhães, Seminário Maior de Diamantina-MG 

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